São Paulo, sábado, 02 de junho de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Choque elétrico não precisa gerar recessão

GESNER OLIVEIRA

O brasileiro está acostumado a rever cenários rapidamente e se adaptar às novas circunstâncias. Não bastassem os pacotes dos tempos da superinflação, as crises do México, da Ásia, da Rússia e da desvalorização do Real nos anos 90, o choque elétrico obriga a rever as metas estabelecidas no início deste ano.
Contrariando os pessimistas, as dificuldades conjunturais encerram novas oportunidades. A crise energética, em particular, cria uma série de incentivos que, se bem aproveitados, podem transformar limão em limonada.
A crise de energia alterou subitamente os preços relativos. Um serviço que era relativamente barato se tornou caro e eventualmente inexistente. A iluminação do último Natal parece tão longínqua quanto reprovável à luz dos novos tempos de austeridade, de metrópoles semi-apagadas e aflitas, à espera de um bombardeio aéreo a qualquer momento.
Em contraste com a maxidesvalorização de 1999, a mudança de preços relativos vem acompanhada de restrições à produção, que não pode se ajustar imediatamente à necessidade de utilizar outras fontes de energia. Assim, as pressões inflacionárias atuais são relativamente maiores.
À semelhança de outros choques adversos de oferta, como as crises do petróleo dos anos 70, a economia é jogada, em um primeiro momento, no pior dos mundos. Ocorre desaceleração do nível de atividade e aumento dos preços. Algo que os economistas costumam chamar de estagflação.
Os próximos 60 dias deverão apresentar um ritmo de atividade menos intenso do que aquele registrado na última ata do Copom, divulgada na última quinta-feira.
Diante de uma estagflação, os conflitos da política econômica são ainda maiores. Se descuidar da inflação, volta a espiral de preços. Se exagerar na contenção monetária, a economia entra em uma recessão.
A duração desse sofrimento depende de como os mercados estejam funcionando. Se houver flexibilidade para os preços variarem, a oferta responde com razoável velocidade.
O problema reside na imperfeição do mercado de energia e da consequente necessidade de regulação. Se essa última é inadequada, o mercado não funciona e o desequilíbrio é mais longo. Preocupa, nesse sentido, a indefinição de regras do MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica) no momento em que o país entra no racionamento.
Diferentemente das crises asiática e russa, o choque elétrico não piora muito a situação do balanço de pagamentos. Além disso, aponta fronteiras naturais de expansão para o investimento estrangeiro e nacional.
Essas últimas residem nas inversões necessárias para ampliar a oferta de energia elétrica no próximo biênio. Além disso, outras áreas de infra-estrutura, como a de saneamento básico, apresentam enormes carências e, portanto, novas oportunidades.
Se tais investimentos ocorrerem, haverá uma manutenção do emprego e da massa de salários, assegurando uma taxa razoável de crescimento. Isso poderia estimular em particular os segmentos de bens de consumo não-durável de menor valor unitário e que não acarretam dispêndio de energia.
Assim, apesar das dificuldades atuais e ressalvada a hipótese de uma série crise externa, as perspectivas de crescimento do país continuam boas no médio prazo. A melhor receita para enfrentar a crise continua sendo a do pessimismo na análise e otimismo na ação.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

E-mail - gesner@fgvsp.br



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