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OPINIÃO ECONÔMICA
Choque elétrico não precisa gerar recessão
GESNER OLIVEIRA
O brasileiro está acostumado a rever cenários rapidamente e se adaptar às novas
circunstâncias. Não bastassem os
pacotes dos tempos da superinflação, as crises do México, da Ásia,
da Rússia e da desvalorização do
Real nos anos 90, o choque elétrico obriga a rever as metas estabelecidas no início deste ano.
Contrariando os pessimistas, as
dificuldades conjunturais encerram novas oportunidades. A crise
energética, em particular, cria
uma série de incentivos que, se
bem aproveitados, podem transformar limão em limonada.
A crise de energia alterou subitamente os preços relativos. Um
serviço que era relativamente barato se tornou caro e eventualmente inexistente. A iluminação
do último Natal parece tão longínqua quanto reprovável à luz
dos novos tempos de austeridade,
de metrópoles semi-apagadas e
aflitas, à espera de um bombardeio aéreo a qualquer momento.
Em contraste com a maxidesvalorização de 1999, a mudança de
preços relativos vem acompanhada de restrições à produção, que
não pode se ajustar imediatamente à necessidade de utilizar
outras fontes de energia. Assim,
as pressões inflacionárias atuais
são relativamente maiores.
À semelhança de outros choques adversos de oferta, como as
crises do petróleo dos anos 70, a
economia é jogada, em um primeiro momento, no pior dos
mundos. Ocorre desaceleração do
nível de atividade e aumento dos
preços. Algo que os economistas
costumam chamar de estagflação.
Os próximos 60 dias deverão
apresentar um ritmo de atividade
menos intenso do que aquele registrado na última ata do Copom,
divulgada na última quinta-feira.
Diante de uma estagflação, os
conflitos da política econômica
são ainda maiores. Se descuidar
da inflação, volta a espiral de preços. Se exagerar na contenção
monetária, a economia entra em
uma recessão.
A duração desse sofrimento depende de como os mercados estejam funcionando. Se houver flexibilidade para os preços variarem,
a oferta responde com razoável
velocidade.
O problema reside na imperfeição do mercado de energia e da
consequente necessidade de regulação. Se essa última é inadequada, o mercado não funciona e o
desequilíbrio é mais longo. Preocupa, nesse sentido, a indefinição
de regras do MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica) no
momento em que o país entra no
racionamento.
Diferentemente das crises asiática e russa, o choque elétrico não
piora muito a situação do balanço de pagamentos. Além disso,
aponta fronteiras naturais de expansão para o investimento estrangeiro e nacional.
Essas últimas residem nas inversões necessárias para ampliar
a oferta de energia elétrica no
próximo biênio. Além disso, outras áreas de infra-estrutura, como a de saneamento básico, apresentam enormes carências e, portanto, novas oportunidades.
Se tais investimentos ocorrerem, haverá uma manutenção do
emprego e da massa de salários,
assegurando uma taxa razoável
de crescimento. Isso poderia estimular em particular os segmentos
de bens de consumo não-durável
de menor valor unitário e que
não acarretam dispêndio de energia.
Assim, apesar das dificuldades
atuais e ressalvada a hipótese de
uma série crise externa, as perspectivas de crescimento do país
continuam boas no médio prazo.
A melhor receita para enfrentar a
crise continua sendo a do pessimismo na análise e otimismo na
ação.
Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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