São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Perda de confiança nos EUA derruba dólar

PERONET DESPEIGNES
CHRISTOPHER SWANN

DO "FINANCIAL TIMES"
Desde que o dólar começou sua ascensão diante de outras moedas na metade dos anos 90, analistas prevêem que a alta teria vida breve. Em lugar disso, a moeda se manteve valorizada, ignorando o estouro da bolha da alta tecnologia, a recessão e os ataques de 11 de setembro.
Agora, no momento em que os EUA começam a se recuperar da recessão, o dólar parece vulnerável. Na última semana, a moeda chegou a cair à cotação mais baixa em 15 meses diante do euro. De março para cá, as perdas em relação à moeda européia são de 9%. "Existe entre os analistas uma percepção cada vez maior de que a era do dólar invencível está finalmente se encerrando", diz Michael Lewis, estrategista de câmbio do Deutsche Bank.
Essa debilidade se deve parcialmente a dúvidas sobre o vigor da recuperação econômica. A retomada parece ter se baseado mais no aumento dos gastos públicos e na reposição de estoques do que em uma virada no investimento. Mas muitos economistas acreditam que algo de mais profundo esteja ocorrendo. "Existe um problema real, emergente, de percepção", diz Greg Valliere, da corretora Charles Schwab. "É discutível que a situação real seja de fato tão ruim, mas houve uma alteração na percepção quanto ao clima para investimentos."
O calcanhar-de-aquiles do dólar tem sido o déficit em conta corrente. O rombo deve atingir US$ 465 bilhões neste ano. Isso significa que os EUA precisam atrair US$ 1,3 bilhão em fundos externos a cada dia a fim de impedir a queda do dólar. Enquanto os investidores internacionais corriam para comprar ações e títulos norte-americanos, isso não era problema. Mas a categoria do dólar como destino primordial da poupança mundial está sob ameaça.
Os influxos financeiros que permitiam que o dólar bancasse o imenso déficit em conta corrente parecem estar desaparecendo. No ano passado, o influxo líquido mensal médio foi de US$ 44 bilhões. Nos dois primeiros meses deste ano, a média caiu para US$ 14,6 bilhões. "Há sinais de que a primazia dos EUA como destino dos investidores está sob ameaça", diz George Magnus, economista-chefe do UBS Warburg.
Existem sinais de que os administradores de fundos de investimentos estão perdendo a fé nas empresas norte-americanas. A última pesquisa trimestral da Merrill Lynch com administradores de fundos concluiu que a maioria deles estava inclinada a reduzir o peso dos papéis norte-americanos em suas carteiras. Apenas 22% dos pesquisados acreditavam que a perspectiva dos lucros empresariais era melhor nos EUA do que em outras regiões, ante 42% em fevereiro.
Existem agora diversas preocupações sobre as empresas norte-americanas. "Os investidores costumavam hesitar quanto à Ásia devido ao capitalismo de compadres lá praticado. Agora, muitos deles vêem o mesmo problema nos EUA", diz Magnus.
As contas nacionais mostram que os lucros das grandes empresas vêm caindo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) desde 1997, enquanto as empresas que compõem o índice S&P 500 têm reportado crescimento de lucros superior ao do PIB. Isso indica que os lucros reportados oficialmente foram maquiados por meio de contabilidade criativa.

Efeito Bush
Brian Wesbury, economista-chefe da empresa de investimentos Griffin, Kubik, Stephens & Thompson, diz que a alta nos gastos públicos durante o governo Bush (a maior desde a guerra do Vietnã) está desviando recursos do setor privado. Em seu relatório econômico anual, o governo diz que os esforços antiterroristas podem deprimir o crescimento econômico, porque mais mão-de-obra e capital serão desviados para a área de segurança, desfalcando a produção. Ao mesmo tempo, os investidores começam a se preocupar com a possibilidade de que as medidas protecionistas nos setores siderúrgico e agrícola travem a liberalização comercial.
Enquanto cresce o ceticismo quanto ao desempenho da economia norte-americana, os investidores vêm redescobrindo o entusiasmo pelo investimento externo. Poucos esperam que a zona do euro seja capaz de emular o rápido crescimento norte-americano na década de 90. Mas há esperança de que a economia européia esteja começando a sentir os efeitos benéficos da unificação da moeda sobre a competição. Em março, administradores de fundos investiram US$ 3,8 bilhões líquidos em ações da zona do euro e outros US$ 3,6 bilhões em títulos -o primeiro saldo líquido positivo da região desde novembro.

Círculo reverso
Economistas também estão impressionados com diversas economias asiáticas, especialmente a Coréia do Sul, que está demonstrando capacidade de gerar crescimento doméstico em lugar de depender simplesmente da demanda americana para suas exportações. Mesmo o Japão, uma economia na qual muitos haviam perdido a esperança, deve se beneficiar de uma virada cíclica positiva, com a volta da demanda mundial por seus produtos.
Os entusiastas dos EUA argumentam que os rumores sobre o terreno conquistado por outras economias são prematuros. Dizem, especialmente, que a desaceleração dos investimentos nos EUA é temporária e que a economia ganhará força, causando renovação do investimento. Entretanto, mesmo aqueles que acreditam nos EUA reconhecem que o dólar pode cair ainda mais nos próximos meses. "Não é que estejamos esperando que os EUA percam a liderança, mas sim que caiam um pouco", diz Stephen Roach, economista-chefe do Morgan Stanley.
Os EUA se acostumaram a um influxo contínuo de dinheiro internacional, o que favorece os preços das ações e os investimentos, além de ajudar a preservar os juros baixos e controlar a inflação. Se os investidores se convencerem de que o dólar está em queda, a saída de capital pode se acelerar.
"O risco é de que o círculo virtuoso de alimentação entre a economia, os mercados e o dólar, que deu tão bons resultados no final dos anos 90, se torne um círculo vicioso", diz Rory Robertson, estrategista do Macquarie Bank.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Protecionismo: EUA vão à OMC contra Europa devido ao aço
Próximo Texto: Mercados e Serviços: INSS divulga novas tabelas de contribuição
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.