São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Enquanto a estratégia não vem


O país precisa de estratégia que inclua depreciação cambial via juros menos atrativos ao capital externo

COM APLAUSO dos economistas convencionais, o Banco Central do Brasil iniciou o processo de elevação da taxa de juros e provavelmente não parará tão cedo. Está convencido de que a aceleração recente da inflação tem como causa o excesso de demanda e se dispõe a usar de seus poderes para impedir que isso aconteça. Do outro lado, os economistas desenvolvimentistas não aceitam o aumento dos juros, uns afirmando que a atual inflação é de custos, refletindo a alta geral das commodities, outros, que existe também na inflação atual um componente de demanda, mas que nesse caso é melhor cortar a despesa pública, em vez de aumentar os juros.
Estou, naturalmente, de acordo com o segundo grupo, mas entendo que essa também não é uma solução fácil de justificar; afinal, nos primeiros quatro meses, o Estado já registrou superávit nominal e cumpriu 75% do superávit primário previsto para o ano inteiro. Essa alternativa seria razoável se, em troca de um aumento adicional de ajuste fiscal temporário de dois ou três pontos percentuais, o Banco Central concordasse não apenas a não aumentar mas em baixar substancialmente os juros. Mas, como a possibilidade de um acordo dessa natureza é pequena senão inexistente, ficamos no impasse. Ou melhor, continuamos nos afundando na armadilha de uma taxa de juros muito alta e de uma taxa de câmbio irresponsavelmente sobreapreciada.
Na falta de medidas adicionais de aperto fiscal, o Banco Central não vê alternativa senão aumentar a taxa de juros. Ora, isso é absurdo se considerarmos que o nível da taxa de juros já é muito alto. O Banco Central, entretanto, esquece-se do nível da taxa de juros (um nível pelo qual ele é o principal responsável, já que não baixou a Selic para patamares decentes nos muitos momentos dos últimos 14 anos em que a demanda estava desaquecida). Seu objetivo é cumprir a meta e, ao mesmo tempo, continuar com a aprovação dos interessados internos em altos juros e dos países ricos, para os quais interessa uma taxa de câmbio não-competitiva. Sabe que o aumento da taxa de juros logrará reduzir a inflação não tanto pela diminuição da demanda mas pela apreciação do câmbio, mas isso também é esquecido.
Para sair dessa armadilha, o Brasil precisa de uma estratégia envolvendo Presidência, ministérios econômicos e Banco Central; uma estratégia que inclua, de um lado, aumento temporário do ajuste fiscal e diminuição permanente do nível da taxa de juros, e, de outro, depreciação cambial permanente por meio de juros menos atrativos aos capitais externos, da neutralização da doença holandesa e de controles também temporários de entradas de capital até a taxa de câmbio atingir o nível de equilíbrio. Nem o governo nem a sociedade, entretanto, estão preparados para isso. O câmbio apreciado e os juros altos convivem hoje com taxas razoáveis de crescimento graças aos preços das commodities e às políticas distributivas do governo. Dessa forma, teremos que esperar dois a três anos para que o quadro externo se deteriore. Entrementes perderemos a oportunidade que os altos preços das commodities oferecem ao Brasil de crescer duas vezes mais do que cresce hoje.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br



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