São Paulo, terça-feira, 02 de junho de 2009

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Desolação se acentua em Detroit, sede das montadoras

Com desemprego, crise imobiliária e lojas fechadas, cidade enfrenta decadência

Metrópole vive êxodo e já conta com 40 mil imóveis abandonados; prédio-sede da GM, com movimento baixo, refletia a crise ontem

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A DETROIT

A segunda-feira em que a GM entrou em concordata amanheceu cinzenta e chuvosa em Detroit, onde o prédio-sede da gigante automotiva acordou com movimento anormalmente fraco. Se a cidade já exalava a cada esquina o cheiro da decadência do setor nos EUA, o cenário acaba de descer mais um degrau, com o pessimismo manifesto nas vozes dos moradores, nos restaurantes às moscas e nas ruas vazias.
Ryan Kittle, morador de Flint, 106 km a noroeste de Detroit, simbolizava o labirinto em que a população local foi jogada. Enquanto a GM levava os papéis da concordata aos tribunais em Nova York, ele completava 23 anos em um cassino local. E está desempregado.
Filho e neto de funcionários da GMC, Kittle conta que faz bicos em um posto de gasolina enquanto vê os pais preocupados com a aposentadoria. "Eu seria a terceira geração de trabalhadores da GM na minha família, mas não há mais oportunidades para os jovens", disse.
Era a mesma preocupação de Mel Gaymon, 66, aposentado cujos dois sobrinhos perderam os cargos na GM e na Chrysler nos últimos meses. Ele diz que toda a região depende das montadoras -e se inclui na conta. "Meus benefícios médicos e dentários foram diminuindo com o tempo", afirma, enquanto mostra a boca com vários dentes faltando. "Dizem que as companhias vão se reerguer, mas isso não vai acontecer no curto prazo. Precisamos de dinheiro agora."
A desolação era palpável também no quartel-general da montadora. Ali, as torres envidraçadas não revelavam nenhum movimento do lado de fora, e o complexo de prédios interligados tinha modelos de carros expostos para ninguém e cafés fechando uma hora mais cedo por causa da crise.
"Isto aqui está completamente morto", afirmava às 12h30 o engraxate Shgann, 32, que trabalha há um ano no local (ele não quis dar o sobrenome). Apontando para a praça de alimentação da empresa, com no máximo 60% de ocupação ontem. "Geralmente é preciso esperar meia hora na fila para se sentar", afirmava.
A situação deve piorar: a GM anunciou ontem que cortará mais 3.000 cargos executivos nos EUA, muitos dos quais ocupantes do famoso prédio-sede.
A cena triste se repetia ao redor da rede do sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva (UAW) e em concessionárias GM na cidade. Ruas vazias recebiam a chuva fina ao lado de estacionamentos lotados de carros; vendedores se viam em uma inútil espera por clientes que não chegam. "Às vezes passamos dias sem nenhuma ligação", disse Rick Colburn, 24, numa das lojas.
Os espaços comerciais fechados e casas abandonadas não mais surpreendem. Sustentada pela produção de carros, Detroit definha há mais de uma década junto com as três gigantes -GM, Chrysler e Ford- e aos poucos foi perdendo a população. De quase 2 milhões de habitantes em meados do século passado, a cidade passou a abrigar 916 mil em 2000 (dados do Censo americano).
A deterioração se acelerou com a crise imobiliária de 2007. Em março último havia cerca de 40 mil imóveis abandonados na região, e o preço médio de uma casa chegou a US$ 7.000.


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