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Desolação se acentua em Detroit, sede das montadoras
Com desemprego, crise imobiliária e lojas fechadas, cidade enfrenta decadência
Metrópole vive êxodo e já conta com 40 mil imóveis abandonados; prédio-sede da GM, com movimento baixo, refletia a crise ontem
ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A DETROIT
A segunda-feira em que a GM
entrou em concordata amanheceu cinzenta e chuvosa em
Detroit, onde o prédio-sede da
gigante automotiva acordou
com movimento anormalmente fraco. Se a cidade já exalava a
cada esquina o cheiro da decadência do setor nos EUA, o cenário acaba de descer mais um
degrau, com o pessimismo manifesto nas vozes dos moradores, nos restaurantes às moscas
e nas ruas vazias.
Ryan Kittle, morador de
Flint, 106 km a noroeste de Detroit, simbolizava o labirinto
em que a população local foi jogada. Enquanto a GM levava os
papéis da concordata aos tribunais em Nova York, ele completava 23 anos em um cassino local. E está desempregado.
Filho e neto de funcionários
da GMC, Kittle conta que faz
bicos em um posto de gasolina
enquanto vê os pais preocupados com a aposentadoria. "Eu
seria a terceira geração de trabalhadores da GM na minha família, mas não há mais oportunidades para os jovens", disse.
Era a mesma preocupação de
Mel Gaymon, 66, aposentado
cujos dois sobrinhos perderam
os cargos na GM e na Chrysler
nos últimos meses. Ele diz que
toda a região depende das montadoras -e se inclui na conta.
"Meus benefícios médicos e
dentários foram diminuindo
com o tempo", afirma, enquanto mostra a boca com vários
dentes faltando. "Dizem que as
companhias vão se reerguer,
mas isso não vai acontecer no
curto prazo. Precisamos de dinheiro agora."
A desolação era palpável
também no quartel-general da
montadora. Ali, as torres envidraçadas não revelavam nenhum movimento do lado de
fora, e o complexo de prédios
interligados tinha modelos de
carros expostos para ninguém
e cafés fechando uma hora mais
cedo por causa da crise.
"Isto aqui está completamente morto", afirmava às
12h30 o engraxate Shgann, 32,
que trabalha há um ano no local
(ele não quis dar o sobrenome).
Apontando para a praça de alimentação da empresa, com no
máximo 60% de ocupação ontem. "Geralmente é preciso esperar meia hora na fila para se
sentar", afirmava.
A situação deve piorar: a GM
anunciou ontem que cortará
mais 3.000 cargos executivos
nos EUA, muitos dos quais ocupantes do famoso prédio-sede.
A cena triste se repetia ao redor da rede do sindicato dos
trabalhadores da indústria automotiva (UAW) e em concessionárias GM na cidade. Ruas
vazias recebiam a chuva fina ao
lado de estacionamentos lotados de carros; vendedores se
viam em uma inútil espera por
clientes que não chegam. "Às
vezes passamos dias sem nenhuma ligação", disse Rick Colburn, 24, numa das lojas.
Os espaços comerciais fechados e casas abandonadas não
mais surpreendem. Sustentada
pela produção de carros, Detroit definha há mais de uma
década junto com as três gigantes -GM, Chrysler e Ford- e
aos poucos foi perdendo a população. De quase 2 milhões de
habitantes em meados do século passado, a cidade passou a
abrigar 916 mil em 2000 (dados
do Censo americano).
A deterioração se acelerou
com a crise imobiliária de 2007.
Em março último havia cerca
de 40 mil imóveis abandonados
na região, e o preço médio de
uma casa chegou a US$ 7.000.
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