São Paulo, terça-feira, 02 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Eu confio

BENJAMIN STEINBRUCH

Normalmente aprendemos mais com derrotas do que com vitórias. Identificar erros do passado é um bom começo para novas caminhadas. Mas desta vez podemos tirar muitas lições da vitória na Copa do Mundo.
A primeira é que sem disciplina e hierarquia não se vai a lugar nenhum. O futebol brasileiro andou bagunçado e sem comando durante muito tempo. No ano passado, sofremos derrotas humilhantes, como para Honduras, na Copa América, e alcançamos a classificação nas eliminatórias a duras penas. É honesto reconhecer que tudo mudou por obra de um homem: Luiz Felipe Scolari. Ele não é o melhor técnico do mundo, certamente, mas é um disciplinador incansável.
A segunda é que, no esporte, como em qualquer atividade social ou econômica, deve predominar o coletivo, e não o individual. Felipão também seguiu essa regra. Quando tirou Romário do time, contra a opinião do Brasil inteiro, pensava nisso. Romário é craque, mas havia a ameaça de que o seu temperamento insubordinado contaminasse o grupo. E o técnico preferiu não correr esse risco.
A terceira tem a ver com a perseverança. Scolari mostrou coragem, manteve suas convicções e triunfou. Apostou na recuperação de Ronaldo e Rivaldo e insistiu na idéia de jogar com três zagueiros, também contra a opinião de quase todos os analistas. Não recuou nem mesmo quando a defesa jogou mal, nas primeiras partidas. Aumentou o treinamento e acabou armando uma zaga bastante razoável.
A quarta é a humildade. Até por conta das críticas severas, a seleção chegou à Copa sem arrogância. Diferentemente de outras seleções, enfrentou times mais fracos com determinação e escapou de vexames como o da França, que perdeu da teoricamente modesta equipe do Senegal. Se jogasse com arrogância, o Brasil poderia ter vivido maus momentos com a surpreendente Turquia e com a impertinente Costa Rica.
O comportamento humilde nunca deve ofuscar o espírito patriótico -e essa é a quinta lição. O futebol brasileiro, como outros setores, precisava recuperar o velho sentimento de afirmação nacional. Não podemos ter vergonha de balançar as bandeiras verde-e-amarelas, de cantar emocionados o hino nacional, de chorar e muito pelas nossas cores, de defender e incentivar o nosso país.
Nas últimas semanas, o Brasil foi notícia em todo o mundo por duas razões. De um lado, pela atuação na Copa. De outro, pelas perspectivas da nossa economia. No primeiro caso, exaltado. No segundo, escorraçado. Na mesma semana em que brilhou aos olhos de bilhões de espectadores que viam os jogos da Copa, foi considerado um país perigosíssimo para investimentos internacionais, mais perigoso do que a Nigéria ou qualquer outro país emergente, com exceção da Argentina.
Acabou a Copa e vêm aí as eleições presidenciais. Que tal adotar as lições do futebol para a economia? Que tal incorporar disciplina, hierarquia, perseverança, humildade, espírito de equipe e brio nacional nos planos para o novo governo? Que tal reconhecer erros como juros desnecessariamente altos, falta de apetite para estimular o crescimento, defesa de nosso mercado e prioridades sócias.
Há pouco mais de um mês, quando a seleção embarcou para a Coréia/Japão, escrevi aqui para lembrar as tristes madrugadas da Olimpíada de Sidney, afirmei que o penta era possível e terminei o artigo com uma frase curta: "Eu confio". Agora, passada a campanha da Copa, é hora de voltar os olhos para o país e acreditar que os brasileiros podem eleger um presidente que nos dará ao mesmo tempo estabilidade e crescimento, dois valores indispensáveis para o bem-estar da população. Eu confio.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Dia de estresse: Dólar bate recorde no aniversário do Real
Próximo Texto: Crise: FMI propõe "Proer" para Argentina
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.