São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A geração do Real

O real não era um programa de crescimento, mas de estabilização. Os pais do Real não tinham outra especialidade que não a do combate à inflação inercial.
Em entrevista a "O Estado de S. Paulo" de ontem, Fernando Henrique Cardoso atribui o desastre da tentativa de mudança da política cambial, no início de 1995, a um impasse entre Pérsio Arida e Gustavo Franco, para o qual não havia mediador. A solução foi uma tentativa de acomodação do incrível Edmar Bacha que levou a um desastre, provocando fuga de bilhões de dólares e imobilizando o governo. A constatação de FHC é que Bacha conhecia pouco de mercado.
Quando se analisam os sucessivos erros de avaliação da equipe, no pós-operatório, a conclusão inevitável é a de que os economistas do Real tinham conhecimento insuficiente sobre pontos essenciais de funcionamento da economia real, inclusive sobre os desdobramentos imediatos da mudança de ambiente econômico.
São vários os exemplos desse desconhecimento. Mesmo percebendo que a dinâmica do câmbio conduziria a um desastre inevitável, foram incapazes de entender que, em um ambiente desindexado e com o grau de aprovação do Real, seria possível mudar o regime cambial sem perder o controle da inflação. Só se deram conta depois que o câmbio explodiu, forçado pelo mercado -não pela vontade de FHC, como ele quer fazer crer.
Foram incapazes de entender igualmente que, dado o tiro de largada, com a redução de barreiras tarifárias, existia um "gap" de tempo até que as importações começassem a entrar. É o período necessário para os atacadistas aprenderem o que e como importar, identificar produtos, fornecedores, montar estruturas de compras. Como as importações não aumentaram de imediato, houve o desespero, que levou a uma redução irresponsável das barreiras tarifárias. Quando o movimento de importação ganhou ritmo, empurrou o país de cabeça na crise externa.
Não conseguiram avaliar que o crescimento artificial da economia, com o aumento não sustentado do poder aquisitivo da população (por conta da apreciação do real), induziria todos os agentes econômicos a apostar em um crescimento que não se materializaria. O que levou os governos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul a quebrar seus Estados não foi meramente o fim da inflação, mas a mesma avaliação que levou o setor automobilístico ao equívoco dos superinvestimentos, fruto da administração errada das expectativas da economia pela apreciação do real.
A geração do Cruzado-Real sempre confundiu causa com efeito, sempre demonstrou dificuldade para entender a economia como uma realidade complexa e a identificar os pontos centrais que comandam o modelo.
Mataram as condições de crescimento para permitir a entrada de capital externo, que geraria a poupança necessária para o desenvolvimento. Dez anos depois, fica-se obrigado a ler o incrível Bacha (no artigo "Fim da inflação não basta para crescer") alertar judiciosamente de que "não basta formar capital: é preciso que ele seja aplicado produtivamente".

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Artigo: Gradualismo do Fed pode aquecer inflação
Próximo Texto: Reajuste: Conta de luz sobe em média 17,91% em SP no domingo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.