São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A lição da Austrália


Há sintomas de que o Estado brasileiro esgotou a sua capacidade de obter imposto sem danificar fortemente a economia do país

EM 1996, o governo australiano constatou que cada um dos postos de trabalho que criava no seu plano de combate ao desemprego lhe custava 15 vezes o subsídio que dava ao setor privado para gerar um emprego de qualidade semelhante em um outro programa social. Como o objetivo era combater o desemprego, o governo expandiu o programa de subsídios e cortou drasticamente a criação direta de postos de trabalho, economizando mais de US$ 500 milhões por ano.
Essa experiência deve ser lembrada num momento em que há sintomas claros de que o Estado brasileiro esgotou a sua capacidade de coletar imposto sem danificar fortemente a economia do país. A carga tributária atinge 37% do PIB, um número extraordinário para um país com o nosso grau de desenvolvimento e simultaneamente o nível de informalidade do Brasil é superior em 40% ao de outras economias com renda semelhante. As firmas informais competem com sucesso com as formais apesar de serem muito menos eficientes, porque não pagam impostos. A crescente informalização da economia, por sua vez, deprime o crescimento da produtividade.
Descontadas as despesas financeiras, os governos municipais, estaduais e federal no Brasil gastam quase um terço de tudo o que é produzido no país. Somente o governo em Brasília tem um gasto primário que excede 22% do PIB. Apesar disso, em 2005, o investimento público do governo federal foi pouco mais de 0,5% do PIB, e o Estado se mostra incapaz de prover educação e saúde para as famílias mais pobres, dar segurança à população ou financiar adequadamente a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
Uma proposta freqüente para lidar com esse panorama lamentável é realizar um "choque de gestão" que aumente a eficácia do setor público. O setor privado do Brasil tem boa cultura de gestão, responsável pela eficiência invejável de algumas das maiores empresas do país. Além disso, algumas administrações locais, como a de Minas Gerais, têm tido sucesso em melhorar serviços e cortar custos. Muitos governos no Brasil desperdiçam recursos e precisam de melhor gerenciamento.
Mas é importante notar que o exemplo australiano transcende a gestão. É possível que a geração de postos de trabalho pelo governo fosse bem gerenciada, mas simplesmente havia uma alternativa mais barata para criar emprego. A redução do custo do combate ao desemprego foi só um dos bons resultados de um sistema de constante avaliação que foi implementado pelo governo trabalhista eleito em 1983. Esse processo mede a qualidade de gestão e também a eficácia de cada programa em alcançar os propósitos que justificam a sua existência. Esse mecanismo de avaliação jogou um papel crucial na redução dos gastos federais na Austrália em sete pontos percentuais do PIB, num período de cinco anos.
No Brasil há pouca discussão da capacidade dos programas do governo em atingir os seus objetivos. Uma exceção foi o documento "Orçamento Social do Governo Federal 2001-2004", produzido pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Esse trabalho avaliou o efeito dos gastos sociais do governo na redução da desigualdade e da pobreza no Brasil e documentou que há grande heterogeneidade no impacto redistributivo dos programas de transferências do governo federal. A diminuição da pobreza não é o objetivo principal de todos os gastos incluídos no orçamento social, mas se a meta é reduzir pobreza é necessário concentrar recursos em programas, como o Bolsa-Família, focados na população mais carente. Na Austrália, o Ministério da Fazenda teve uma função central na implementação da estratégia de avaliação, mas o melhor seria se, no Brasil, esse processo fosse incumbência de um órgão relativamente independente e dotado dos recursos intelectuais necessários para produzir diagnósticos confiáveis.
O sistema de avaliação deveria se estender também a Estados e municípios, responsáveis por uma parcela considerável do gasto público, mas já seria um bom começo se o próximo governo estabelecesse um processo de exame detalhado dos programas federais.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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