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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A lição da Austrália
Há sintomas de que o Estado brasileiro esgotou a sua capacidade de obter imposto sem danificar fortemente a economia do país
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EM 1996, o governo australiano
constatou que cada um dos
postos de trabalho que criava
no seu plano de combate ao desemprego lhe custava 15 vezes o subsídio
que dava ao setor privado para gerar
um emprego de qualidade semelhante em um outro programa social. Como o objetivo era combater o
desemprego, o governo expandiu o
programa de subsídios e cortou
drasticamente a criação direta de
postos de trabalho, economizando
mais de US$ 500 milhões por ano.
Essa experiência deve ser lembrada num momento em que há sintomas claros de que o Estado brasileiro esgotou a sua capacidade de coletar imposto sem danificar fortemente a economia do país. A carga
tributária atinge 37% do PIB, um
número extraordinário para um
país com o nosso grau de desenvolvimento e simultaneamente o nível
de informalidade do Brasil é superior em 40% ao de outras economias
com renda semelhante. As firmas
informais competem com sucesso
com as formais apesar de serem
muito menos eficientes, porque não
pagam impostos. A crescente informalização da economia, por sua vez,
deprime o crescimento da produtividade.
Descontadas as despesas financeiras, os governos municipais, estaduais e federal no Brasil gastam quase um terço de tudo o que é produzido no país. Somente o governo em
Brasília tem um gasto primário que
excede 22% do PIB. Apesar disso,
em 2005, o investimento público do
governo federal foi pouco mais de
0,5% do PIB, e o Estado se mostra
incapaz de prover educação e saúde
para as famílias mais pobres, dar segurança à população ou financiar
adequadamente a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
Uma proposta freqüente para lidar com esse panorama lamentável
é realizar um "choque de gestão"
que aumente a eficácia do setor público. O setor privado do Brasil tem
boa cultura de gestão, responsável
pela eficiência invejável de algumas
das maiores empresas do país. Além
disso, algumas administrações locais, como a de Minas Gerais, têm tido sucesso em melhorar serviços e
cortar custos. Muitos governos no
Brasil desperdiçam recursos e precisam de melhor gerenciamento.
Mas é importante notar que o
exemplo australiano transcende a
gestão. É possível que a geração de
postos de trabalho pelo governo fosse bem gerenciada, mas simplesmente havia uma alternativa mais
barata para criar emprego. A redução do custo do combate ao desemprego foi só um dos bons resultados
de um sistema de constante avaliação que foi implementado pelo governo trabalhista eleito em 1983. Esse processo mede a qualidade de
gestão e também a eficácia de cada
programa em alcançar os propósitos
que justificam a sua existência. Esse
mecanismo de avaliação jogou um
papel crucial na redução dos gastos
federais na Austrália em sete pontos
percentuais do PIB, num período de
cinco anos.
No Brasil há pouca discussão da
capacidade dos programas do governo em atingir os seus objetivos. Uma
exceção foi o documento "Orçamento Social do Governo Federal
2001-2004", produzido pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Esse trabalho
avaliou o efeito dos gastos sociais do
governo na redução da desigualdade
e da pobreza no Brasil e documentou que há grande heterogeneidade
no impacto redistributivo dos programas de transferências do governo federal. A diminuição da pobreza
não é o objetivo principal de todos os
gastos incluídos no orçamento social, mas se a meta é reduzir pobreza
é necessário concentrar recursos
em programas, como o Bolsa-Família, focados na população mais carente.
Na Austrália, o Ministério da Fazenda teve uma função central na
implementação da estratégia de
avaliação, mas o melhor seria se, no
Brasil, esse processo fosse incumbência de um órgão relativamente
independente e dotado dos recursos
intelectuais necessários para produzir diagnósticos confiáveis.
O sistema de avaliação deveria se
estender também a Estados e municípios, responsáveis por uma parcela considerável do gasto público,
mas já seria um bom começo se o
próximo governo estabelecesse um
processo de exame detalhado dos
programas federais.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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