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OPINIÃO ECONÔMICA
A Alca depois de Cancún
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Depois do fiasco da reunião
da OMC em Cancún, os
EUA intensificaram as pressões
na Alca. O Brasil é o principal alvo. O objetivo é vencer as resistências à Alca tal como originalmente concebida.
Nas últimas semanas, Washington subiu o tom em uma série
de agressivos artigos, discursos e
entrevistas dos seus principais negociadores na área do comércio
exterior. No Brasil, naturalmente,
já há quem queira correr para
baixo da cama.
O governo dos EUA nem disfarça as suas tentativas de isolar o
Brasil e, se possível, dividir o Mercosul. Aproveita-se de um erro cometido recentemente pelo presidente brasileiro, que se omitiu de
maneira constrangedora quando
a Argentina (com o apoio dos
EUA...) entrou em choque com o
FMI e chegou a suspender o pagamento de uma dívida àquele organismo.
Em novembro, teremos em
Miami a reunião ministerial que
estabelecerá a agenda para a etapa final da negociação da Alca,
em 2004. Aproxima-se, portanto,
um momento importante, talvez
decisivo.
O embaixador Ross Wilson, negociador-chefe dos Estados Unidos para a Alca, deixou claro que
o seu governo continua comprometido com um acordo "ambicioso" e "abrangente" e com a conclusão das negociações no prazo
previsto (janeiro de 2005). "Infelizmente", declarou Wilson, "a
Organização Mundial do Comércio perdeu a oportunidade em
Cancún de fazer avançar negociações globais -o hemisfério
Ocidental não pode repetir o erro". Evidentemente, os EUA querem evitar que o fracasso em Cancún seja seguido de outro fracasso
em Miami.
A reação do governo brasileiro
a essas pressões dos EUA tem sido
bastante adequada, pelo que se
pode perceber. O embaixador
Luiz Felipe Macedo Soares, chefe
da delegação brasileira à reunião
preparatória desta semana em
Trinidad e Tobago, fez uma intervenção corajosa, cuja íntegra pode ser lida no site do Itamaraty
(www.mre.gov.br, nota à imprensa nº 424, 30 de setembro de
2003). Macedo Soares considerou
um exemplo de "retórica destrutiva" a divisão "maniqueísta" entre os países que "podem fazer"
("can-do countries") e aqueles
que "não farão" ("won't-do countries") -uma alusão a artigo publicado logo após Cancún pelo
ministro do Comércio Exterior
dos EUA, Robert Zoellick, no jornal "Financial Times" em 22 de
setembro (esse artigo está reproduzido em www.ustr.gov/
speech-test/zoellick).
No mesmo dia em que o embaixador brasileiro fazia a sua intervenção, Zoellick declarava à imprensa em Miami que, depois de
Cancún, o seu colega argentino
telefonou e ofereceu uma abordagem do tipo "can-do" para o livre
comércio... ("The Miami Herald",
1º de outubro de 2003).
O ambiente está ficando carregado, portanto. O governo brasileiro não deseja a confrontação
com os EUA. Mas não pode, por
outro lado, se conformar com a
agenda desequilibrada proposta
insistentemente pelos EUA.
Quando Washington diz que
quer uma Alca "ambiciosa" e
"abrangente", o que fica subentendido é o seguinte: a agenda
não pode mudar.
Isso significa que temas do nosso interesse, como agricultura e
legislação antidumping e anti-subsídios, continuariam fora da
Alca e seriam remetidos para negociação na OMC. Ou seja: ficariam para as calendas gregas.
Já temas prioritários para os
EUA e difíceis para o Brasil, como
investimentos, serviços, propriedade intelectual e compras governamentais, seriam tratados, em
detalhe, na Alca. Se essa abordagem prevalecer, o resultado será
um tremendo esvaziamento da
política econômica brasileira. É a
conclusão a que se chega, inapelavelmente, quando se analisam os
documentos oficiais da Alca e as
propostas apresentadas pelos
EUA, como procurei fazer em trabalho publicado na edição mais
recente da revista do Instituto de
Estudos Avançados da USP ("A
Alca e o Brasil", "Estudos Avançados", vol. 17, nº 48, maio/agosto
de 2003).
Das duas, uma: ou os Estados
Unidos concordam em incluir os
temas do nosso interesse na Alca
ou aceitam excluir aqueles com os
quais o Brasil tem dificuldades.
Se nenhuma das duas hipóteses
é viável, vamos esquecer a Alca e
cuidar de outros assuntos.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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