São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Kerry ou Bush?

BENJAMIN STEINBRUCH

Finados no Brasil, eleições nos Estados Unidos. Mais de 120 milhões de americanos vão às urnas hoje para escolher o presidente dos EUA para os próximos quatro anos.
Em pleno feriadão, a pergunta que todos fazemos por aqui é a seguinte: será melhor para o Brasil a reeleição do republicano George W. Bush ou a eleição do democrata John Kerry?
Na teoria, Bush parece ser a melhor opção.
Ponto número um, os republicanos são naturalmente menos protecionistas. Aceitam com mais facilidade medidas de liberalização do comércio, o que em tese favorece o Brasil, que depende do mercado americano para colocar suas exportações, como qualquer outro grande país.
Com Bush reeleito, as negociações para a criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) caminhariam mais rapidamente. Com Kerry, a tendência seria a protelação das negociações e a imposição de algumas dificuldades adicionais para a concretização de um acordo já bastante difícil de ser fechado. Kerry já antecipou que, se eleito, proporá a revisão de todos os acordos já feitos pelos Estados Unidos. Para os próximos, exigirá a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais, que não interessam ao Brasil.
Ponto número dois, Bush é mais desenvolvimentista. Pouco se importa para o aumento do déficit fiscal americano. Quando assumiu, quatro anos atrás, herdou de Bill Clinton uma previsão de superávit fiscal de quase US$ 6 trilhões em dez anos. Essa perspectiva mudou completamente, porque Bush cortou impostos e aumentou gastos. Por isso, o déficit americano já atinge neste ano mais de US$ 400 bilhões, valor quase equivalente ao PIB brasileiro.
Em compensação, depois do trauma do 11 de Setembro, por conta de gastos bilionários, principalmente na área militar, Bush pôs a economia de novo em crescimento. Neste ano, a expansão do PIB deve ser de pelo menos 4,3%. Nessa matéria, a velha frase de Juraci Magalhães ("O que é bom para os EUA é bom para o Brasil") aplica-se perfeitamente. Se a economia americana cresce, há mais mercado para produtos estrangeiros, o que é bom para o Brasil e para qualquer país do mundo.
Ponto número três, Bush tem um bom entrosamento com o presidente Lula. Ambos conversam amigavelmente, o que deixa um canal aberto para reivindicações e sugestões brasileiras, algo não muito comum nas relações entre os dois países.
Por tudo isso, se os brasileiros pudessem participar da eleição americana, deveriam votar em Bush, certo? Não tenho tanta certeza. O problema de Bush é que ele representa um enorme risco geopolítico, por causa de sua política intervencionista unilateral. Durante o primeiro mandato, ignorou os organismos internacionais e invadiu dois países, o Afeganistão e o Iraque. Atualmente, Bush mantém 18 mil homens no Afeganistão, 120 mil no Iraque e um total de 1,4 milhão em tropas nos Estados Unidos e espalhadas pelo mundo. Na Guerra do Iraque, morreram 1.100 soldados americanos e mais de 13 mil civis iraquianos. Nas operações do Iraque, Bush já gastou US$ 120 bilhões e deve pedir mais US$ 70 bilhões ao Congresso.
As instabilidades provocadas por ações unilaterais dessa natureza são dramáticas para a humanidade e desastrosas para a economia global. Kerry, ao que tudo indica, manterá o combate ao terrorismo, o que é extremamente necessário, mas com o respaldo da ONU e de outros organismos multilaterais. Ele promete que os EUA só farão intervenções militares se tiverem apoio internacional.
Kerry, portanto, tende a ser mais responsável que Bush nas relações e intervenções pelo mundo. Além disso, embora o partido democrata seja mais protecionista que o republicano, Kerry, como senador, sempre votou a favor de propostas liberalizantes na área de comércio, como os acordos regionais.
Como se vê, a escolha é difícil. Como brasileiro, não tenho de votar nessa eleição. Mas, se tivesse, cravaria Kerry.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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