São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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TENSÃO PRÉ-VOTAÇÃO

Analistas têm receio de que problemas na apuração e batalha jurídica repitam os efeitos negativos de 2000

Mercado teme incerteza eleitoral nos EUA

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O mercado financeiro admite ter um viés republicano. Mas, desta vez, investidores e operadores não estão tão preocupados com quem ganhará as eleições norte-americanas, desde que haja um resultado logo. O grande temor do mercado em Wall Street e na City londrina é o de que ocorram problemas na apuração e se repita o que houve em 2000, quando o pleito foi decidido nos tribunais.
"Para o mercado, está sendo muito menos relevante, desta vez, quem vai ganhar. Se houver um resultado rápido, já será superpositivo", afirma Peter West, economista-chefe da Poalim Asset Management, em Londres.
Os principais bancos estrangeiros soltaram relatórios nos últimos dias chamando a atenção para o perigo de uma batalha legal entre advogados de George W. Bush e do democrata John Kerry e suas conseqüências negativas.
Eles lembram o "desastre" ocorrido em 2000, quando a Nasdaq caiu 24% entre 7 de novembro -data da eleição- e 30 do mesmo mês, o S&P chegou a acumular queda de 8% em 15 dias, e os títulos de dez anos do Tesouro norte-americano encolheram 54 pontos em cinco semanas, até a decisão da Suprema Corte.
Como ocorreram movimentos negativos tanto no mercado de ações como no de dólar e dos títulos nos últimos dias -apesar da recuperação de ontem-, analistas dizem que o temor de um possível problema já foi parcialmente "descontado" dos preços.
Em relatório divulgado na última semana, o Bear Stearns diz esperar até que haja repique de alta nos preços desses ativos, caso um resultado inquestionável das eleições seja divulgado logo.
Por outro lado, analistas acreditam que, se ocorrerem problemas, os preços poderão sofrer muito mais, já que o ajuste ainda está longe do ocorrido em 2000.
"Como em 2000, o resultado da eleição agora parece que será muito apertado e, por isso, muito possivelmente, esse resultado estará sujeito a contestações legais", afirma o economista Binit Patel, do Goldman Sachs, em Londres.
Segundo Patel, é provável que o mercado experimente muita volatilidade, caso um vencedor não seja declarado amanhã.

Efeitos negativos
O pior é que esse cenário é considerado cada vez mais possível. Isso se reflete, por exemplo, nos negócios das Bolsas eletrônicas que oferecem contratos com resultados das eleições. As operações mostram que investidores apostam que os candidatos ficarão muito próximos no voto popular, que Bush ganhará no colégio eleitoral, mas com margem pequena, e que crescem as chances de que o resultado não seja confirmado no prazo oficial.
Em um relatório divulgado na última semana, o Lehman Brothers dizia que, depois dos vários choques dos últimos anos-do estouro da bolha no mercado de ações aos atentados terroristas, passando por escândalos contábeis, a Guerra do Iraque e a recente alta do petróleo-, uma segunda eleição complicada nos Estados Unidos ajudaria a desacelerar a economia um pouco mais.
Patel, do Goldman Sachs, discorda de que problemas na eleição poderiam prejudicar a economia: "Isso teria efeito ruim, mas limitado ao mercado, enquanto durasse um possível embate legal. A economia global seguirá se desacelerando, mas muito mais por outros motivos, como o choque nos preços do petróleo".
Independentemente das conseqüências econômicas de possíveis problemas nas eleições, esse temor praticamente paralisou o mercado ontem. "Ninguém está girando posições, negociando. A liquidez está muito baixa hoje. A desculpa do mercado são as eleições amanhã [hoje]", diz Jim Croft, analista do Commerzbank.
Croft diz que, caso o resultado das eleições seja questionado ou que haja suspeita de fraude em alguns Estados, os títulos de mercados emergentes, como o Brasil, podem ser alvo de um movimento de vendas, o que puxaria os preços para baixo. "Um problema sério no pleito colocaria os EUA sob um holofote muito ruim."
Economistas explicam que dúvidas sobre o futuro político dos EUA levariam a uma grande aversão a risco enquanto durasse a incerteza. Aversão a risco é sempre sinônimo de fuga de ativos como títulos da dívida de países emergentes e ações de forma geral.
Para piorar, existe uma incerteza geopolítica muito grande. Segundo Croft, isso pode ajudar a explicar, por exemplo, os baixos volumes negociados ontem. "Conforme as eleições nos EUA foram se aproximando, cresceram os temores de atentados."
Caso as eleições transcorram sem problemas, boa parte dos operadores e investidores torcerá por Bush. Segundo o diretor de um grande banco estrangeiro em Londres, Bush é o preferido do mercado. Para Patel, do Goldman Sachs, esse viés se explica só pelo conservadorismo do mercado, que favorece a manutenção do "status quo", geralmente, associada a menos incertezas.


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