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Brasileiro nos EUA perde casa e trabalho
Com o estouro da bolha imobiliária, uma das maiores comunidades de imigrantes do país sofre com a crise e muitos retornam
Há ruas inteiras e prédios
com imóveis fechados,
grande parte deixada para
trás por brasileiros, que são
cerca de 30 mil em Newark
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A NEWARK
O estouro da bolha imobiliária e a paralisação do mercado
de construção de novas residências nos EUA atingiu em
cheio uma das maiores comunidades de brasileiros nos EUA,
na cidade de Newark, no Estado de Nova Jersey.
Nos últimos meses, dezenas
de famílias deixaram Newark,
muitas para retornar para o
Brasil. Entre os brasileiros, a
maioria dos homens trabalha
ou trabalhava na construção.
Eles não só perderam os empregos. Agora, perdem, em
massa, as suas residências.
Há pouco mais de um ano, o
mineiro Marcelo Costa, 37, estava comprando, financiadas,
duas casas em Newark. Quando
tomou os empréstimos, em
2004, os valores dos imóveis
eram de US$ 400 mil e US$ 290
mil. Há pouco mais de dois
anos, chegaram a US$ 620 mil e
US$ 500 mil, no pico do boom
imobiliário norte-americano.
Na época, Costa surfava nessa boa onda trabalhando como
corretor de imóveis, o que lhe
garantia um rendimento superior a US$ 10 mil ao mês. "Em
dois anos, minha vida virou de
ponta-cabeça", afirma.
Os preços dos imóveis que
ele estava comprando começaram a desabar com o estouro da
bolha. Seu rendimento despencou junto. Como no período de
alta os compradores usam a valorização para levantar novos
empréstimos, Costa ficou na
seguinte situação: duas prestações muito altas em relação ao
valores dos imóveis (eles hoje
valem aproximadamente o
mesmo que quatro anos atrás)
e sem a renda de antes.
Resultado: teve de devolver
os imóveis aos bancos. Hoje,
Costa mora na casa de um ex-cunhado e luta para ganhar entre US$ 2.500 e US$ 3.000 por
mês dirigindo uma limusine
entre Newark e Manhattan, na
vizinha Nova York. "Aqui não é
como o Brasil. Vou me levantar
de novo, pode apostar", diz
Costa, há 17 anos nos EUA.
Em Newark, há ruas inteiras
e prédios com imóveis fechados, grande parte deixada para
trás por brasileiros, que somam
cerca de 30 mil nesta cidade de
280 mil habitantes.
De acordo com o corretor
brasileiro Valtair Souza, da Exit
Realty, quase 70% dos brasileiros que compraram casas em
Newark durante o boom perderam ou estão em vias de perder
os seus imóveis.
Quem perde a casa e não vai
embora acaba alugando muitos
dos imóveis disponíveis, que
passam a ser administrados por
bancos ou corretoras. Enquanto o valor de uma prestação
("mortgage", em inglês), mais
taxas de propriedade, em Newark está hoje em US$ 5.000,
em média, é possível alugar
imóveis grandes por menos de
US$ 2.000. É o que muitos acabam fazendo.
O boom imobiliário foi tão
intenso em Newark que, por
falta de terrenos, muitas casas
que chegaram a valer mais de
US$ 600 mil foram construídas
em áreas de indústrias e galpões abandonados, degradadas
e violentas. Hoje, estão vazias,
para alugar ou vender, e valem
um terço do que custavam no
auge do mercado.
Quando estava em sua "grande fase", Costa trabalhava para
outro brasileiro, o "Dr. Mortgage", como é conhecido Mario
Damião, 44, âncora do programa de TV "Casa Nova" (agora
suspenso), exibido nos EUA e
no Canadá, de orientação sobre
o mercado imobiliário.
Há 20 anos no país, o paulistano Damião tem há dez anos
uma licença para "mortgage
banking" nos EUA. No auge do
boom, passou a ter, além de
Costa, 95 corretores na sua empresa. Na boa fase, a Castle Home Mortgage chegou a girar
US$ 25 milhões, vendendo 60
imóveis por mês.
Hoje, trabalha com apenas
20 pessoas e fechou 4 de seus 8
escritórios na região. "Na época
do boom era assim: "O sujeito
respira?". Então tem financiamento", diz Damião.
Como os preços não paravam
de subir, o negócio era muito
pouco arriscado para os bancos, que tinham imóveis em
forte valorização como garantia caso o comprador ficasse
inadimplente. Até o mercado
inverter e embicar para baixo.
Hoje, Damião diz ter vários
imóveis para alugar vazios. Ele
não confia em alugá-los a quem
diz trabalhar, por exemplo, no
setor de construção, caso da
maioria dos brasileiros. "É um
emprego em extinção", diz.
Damião calcula "uns dez
anos" para que a demanda para
a compra de imóveis volte a se
ajustar à oferta em Newark.
A crise imobiliária que acertou os brasileiros já deprime
também outros negócios, como
as várias lojas de Newark voltadas para eles. Na cidade, há ruas
inteiras delas, em que o português predomina.
De acordo com Marta Martins, da Pantanal, especializada
em artigos importados do Brasil (de CDs de forró a balas 7 Belo), o movimento caiu pela metade no último ano.
"Muita gente já foi embora
ouvindo dizer que as coisas estão melhores no Brasil. Acho
que agora em dezembro e janeiro, quando o frio apertar, vai
mais uma boa leva", diz.
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