São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Brasileiro nos EUA perde casa e trabalho

Com o estouro da bolha imobiliária, uma das maiores comunidades de imigrantes do país sofre com a crise e muitos retornam

Há ruas inteiras e prédios com imóveis fechados, grande parte deixada para trás por brasileiros, que são cerca de 30 mil em Newark

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A NEWARK

O estouro da bolha imobiliária e a paralisação do mercado de construção de novas residências nos EUA atingiu em cheio uma das maiores comunidades de brasileiros nos EUA, na cidade de Newark, no Estado de Nova Jersey.
Nos últimos meses, dezenas de famílias deixaram Newark, muitas para retornar para o Brasil. Entre os brasileiros, a maioria dos homens trabalha ou trabalhava na construção. Eles não só perderam os empregos. Agora, perdem, em massa, as suas residências.
Há pouco mais de um ano, o mineiro Marcelo Costa, 37, estava comprando, financiadas, duas casas em Newark. Quando tomou os empréstimos, em 2004, os valores dos imóveis eram de US$ 400 mil e US$ 290 mil. Há pouco mais de dois anos, chegaram a US$ 620 mil e US$ 500 mil, no pico do boom imobiliário norte-americano.
Na época, Costa surfava nessa boa onda trabalhando como corretor de imóveis, o que lhe garantia um rendimento superior a US$ 10 mil ao mês. "Em dois anos, minha vida virou de ponta-cabeça", afirma.
Os preços dos imóveis que ele estava comprando começaram a desabar com o estouro da bolha. Seu rendimento despencou junto. Como no período de alta os compradores usam a valorização para levantar novos empréstimos, Costa ficou na seguinte situação: duas prestações muito altas em relação ao valores dos imóveis (eles hoje valem aproximadamente o mesmo que quatro anos atrás) e sem a renda de antes.
Resultado: teve de devolver os imóveis aos bancos. Hoje, Costa mora na casa de um ex-cunhado e luta para ganhar entre US$ 2.500 e US$ 3.000 por mês dirigindo uma limusine entre Newark e Manhattan, na vizinha Nova York. "Aqui não é como o Brasil. Vou me levantar de novo, pode apostar", diz Costa, há 17 anos nos EUA.
Em Newark, há ruas inteiras e prédios com imóveis fechados, grande parte deixada para trás por brasileiros, que somam cerca de 30 mil nesta cidade de 280 mil habitantes.
De acordo com o corretor brasileiro Valtair Souza, da Exit Realty, quase 70% dos brasileiros que compraram casas em Newark durante o boom perderam ou estão em vias de perder os seus imóveis.
Quem perde a casa e não vai embora acaba alugando muitos dos imóveis disponíveis, que passam a ser administrados por bancos ou corretoras. Enquanto o valor de uma prestação ("mortgage", em inglês), mais taxas de propriedade, em Newark está hoje em US$ 5.000, em média, é possível alugar imóveis grandes por menos de US$ 2.000. É o que muitos acabam fazendo.
O boom imobiliário foi tão intenso em Newark que, por falta de terrenos, muitas casas que chegaram a valer mais de US$ 600 mil foram construídas em áreas de indústrias e galpões abandonados, degradadas e violentas. Hoje, estão vazias, para alugar ou vender, e valem um terço do que custavam no auge do mercado.
Quando estava em sua "grande fase", Costa trabalhava para outro brasileiro, o "Dr. Mortgage", como é conhecido Mario Damião, 44, âncora do programa de TV "Casa Nova" (agora suspenso), exibido nos EUA e no Canadá, de orientação sobre o mercado imobiliário.
Há 20 anos no país, o paulistano Damião tem há dez anos uma licença para "mortgage banking" nos EUA. No auge do boom, passou a ter, além de Costa, 95 corretores na sua empresa. Na boa fase, a Castle Home Mortgage chegou a girar US$ 25 milhões, vendendo 60 imóveis por mês.
Hoje, trabalha com apenas 20 pessoas e fechou 4 de seus 8 escritórios na região. "Na época do boom era assim: "O sujeito respira?". Então tem financiamento", diz Damião.
Como os preços não paravam de subir, o negócio era muito pouco arriscado para os bancos, que tinham imóveis em forte valorização como garantia caso o comprador ficasse inadimplente. Até o mercado inverter e embicar para baixo.
Hoje, Damião diz ter vários imóveis para alugar vazios. Ele não confia em alugá-los a quem diz trabalhar, por exemplo, no setor de construção, caso da maioria dos brasileiros. "É um emprego em extinção", diz.
Damião calcula "uns dez anos" para que a demanda para a compra de imóveis volte a se ajustar à oferta em Newark.
A crise imobiliária que acertou os brasileiros já deprime também outros negócios, como as várias lojas de Newark voltadas para eles. Na cidade, há ruas inteiras delas, em que o português predomina.
De acordo com Marta Martins, da Pantanal, especializada em artigos importados do Brasil (de CDs de forró a balas 7 Belo), o movimento caiu pela metade no último ano.
"Muita gente já foi embora ouvindo dizer que as coisas estão melhores no Brasil. Acho que agora em dezembro e janeiro, quando o frio apertar, vai mais uma boa leva", diz.


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