São Paulo, segunda, 2 de novembro de 1998

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ENTREVISTA
Para João Manuel Cardoso de Mello, um dos pais do Plano Cruzado, dinheiro do FMI não será suficiente
Economista propõe
renegociação da dívida

Francio de Hollanda/Folha Imagem
O economista João Cardoso de Mello


SILVANA QUAGLIO
da Reportagem Local

O Brasil está quebrado e o dinheiro prometido pelo FMI não será suficiente para o país pagar seus compromissos no exterior, que somam mais de US$ 70 bilhões nos próximos meses. A avaliação é do professor de economia João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp.
"O problema do Brasil é câmbio", afirma Cardoso de Mello. Para o professor, que ajudou a produzir o Cruzado quando assessorava o ministro da Fazenda Dilson Funaro, o governo tem de centralizar o câmbio e limitar as importações imediatamente.
Agora, para resolver o problema, só mesmo uma "restruturação total" do país. Sem isso, os planos econômicos não passam de milagres. "Na época do Cruzado não foi feita a reestruturação que pretendíamos, deu no que deu."
Cardoso de Mello ficou famoso também por defender a moratória da dívida externa. A medida foi adotada quando, depois do Cruzado, as reservas internacionais acabaram. Atualmente, ele defende a urgente renegociação da dívida.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista à Folha.

Folha - O Brasil está atravessando uma crise cambial?
João Manuel Cardoso de Mello
- Claro que sim. Mas o que está claro hoje é que o Plano Real foi um festival de consumo financiado pelo capital especulativo, remunerado a taxas de juros absurdas. O Brasil está quebrado. Temos um desequilíbrio na balança de pagamentos insanável.
Folha - Por que é insanável?
Cardoso de Mello
- Em primeiro lugar por causa da crise internacional. Houve um ciclo de crédito que permitiu que se pusesse em prática um programa de estabilização do tipo do Plano Real. Esse ciclo de crédito acabou. Nós estamos encalacrados. Chegou a conta do Real. Não há pessoa séria que não saiba que vai haver uma recessão no Brasil. Quem disser 3%, 4% do PIB não vai errar. Isso significa que vamos fazer taxas de desemprego monumentais, porque nós já estamos fazendo uma recessão em cima de uma situação social deteriorada. Até onde chegará o desemprego na Grande São Paulo? Vinte e cinco por cento?
Folha - O que é preciso fazer?
Cardoso de Mello -
É preciso centralizar o câmbio, impondo restrições às remessas de dinheiro. É preciso limitar as importações.
Folha - Mas isso não afugenta o capital?
Cardoso de Mello -
Tirando o dinheiro das privatizações e dos bancos vendidos, não está entrando nada. Acho também que é preciso encontrar uma maneira de renegociar a dívida externa. É triste que eu tenha de dizer isso de novo...
Folha - No seu tempo fizeram a moratória...
Cardoso de Mello -
Eu estou falando em renegociar a dívida.
Folha - O Brasil deve desvalorizar o real?
Cardoso de Mello -
Agora não é possível. Com a crise, a desvalorização ficaria incontrolável. Isso já tinha de ter sido feito.
Folha - O FMI disse que vai emprestar dinheiro. Pode chegar a US$ 45 bilhões...
Cardoso de Mello -
Isso não dá nem para a cova do dente, como dizia a minha avó. Só dá um alívio de uns dois ou três meses. Nós temos compromissos internacionais nos próximos meses que vão a US$ 70 bilhões, ultrapassam em 75% nosso nível de reservas, na melhor das hipóteses.
Folha - O programa de ajuste fiscal poderá restabelecer a confiança do investidor?
Cardoso de Mello -
Não, porque o dinheiro não volta. Está interrompido o fluxo de financiamento. Os bancos estrangeiros estão chamando de volta seus investimentos para diminuir seus riscos. É problema do "credit crunch" (desaparecimento do crédito).
O governo também não conseguirá baixar a taxa de juros enquanto não mexer no câmbio. A recessão vai comer um bom pedaço desse aumento de receita. Dificilmente vai-se ter um alívio.
Folha - O pacote aumenta mais imposto do que corta gasto...
Cardoso de Mello -
O governo tem razão. Não tem mais o que cortar. Vai paralisar o país? Eles estão prevendo ganho de receita em um cenário de crescimento de 1% negativo. É preciso lembrar que já há uma recessão. O corte de gastos e o aumento de impostos nesse cenário pode jogar o país em uma recessão ainda mais profunda. Com 3 ou 4 pontos para baixo, está anulado o ganho do imposto.
Folha - Mas não é preciso reduzir o déficit fiscal?
Cardoso de Mello -
O déficit fiscal é resultado da conta de juros. Nós temos superávits primários, mas vamos gastar 7,5% do PIB com juros. O problema do país é câmbio.
Folha - E o que o sr. sugere para a dívida interna, o calote?
Cardoso de Mello -
O que se vai fazer com a dívida que já passa dos US$ 300 bilhões? Os Estados e municípios estão falidos. Não se pode botar um país funcionando com essas taxas de juros. E isso vem desde a década de 80. Esse governo multiplicou por cinco a dívida.
Folha - O presidente disse que vai cobrar ajuste dos Estados.
Cardoso de Mello -
É, mas isso não passa no Congresso. E, se não fossem os Estados e municípios terem investido um pouco nas áreas sociais, a situação estaria pior. Agora, uma coisa que eu sou a favor é de cobrar contribuição previdenciária de aposentados e cobrar mais de funcionários públicos.
Folha - A crise será igual à de 83?
Cardoso de Mello -
Pior. A recessão será mais profunda e eu não vejo nenhuma possibilidade de saída.




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