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OPINIÃO ECONÔMICA
Profissionais
JOÃO SAYAD
Profissionais se especializam
tanto que acabam se apaixonando pelo problema que deveriam resolver. E nunca mais resolvem.
Médicos podem fazer mais
uma última cirurgia, dentistas
deixam clientes de boca aberta
muitas horas em troca de bela
incrustação que só outro colega
poderá ver, arquitetos abominam o corrimão das escadas por
razões estéticas, advogados
mentem, cabeleireiros transformam senhoras idosas em Rapunzéis, com lindas e jovens cabeleiras quando vistas de costas, mas assustadoras de frente.
O pacote de ajuste fiscal anunciado na última quarta-feira é
obra de profissionais. O objetivo
-ajustar a quantidade de dólares que produzimos à quantidade de dólares que gastamos-
foi esquecido há muito tempo.
O ajuste fiscal é fim em si próprio e por razões transcendentais.
É importante porque "nenhum governo pode gastar além
do que arrecada" (como no Japão?). É importante porque investidores acham importante.
Investidores acham importante
porque os profissionais dizem
que é importante.
Os profissionais não são culpados. Cumprem missão -arrecadar US$ 25 bilhões a mais
do que o governo gasta.
Um amador proporia: "Aumente o nível de atividade, a
produção e o emprego e o resultado se obtém". Essa solução é
"trivial" e não precisaria de
profissionais.
Outro diletante diria: "Por
que não se gasta menos com juros?".
Não é o que foi pedido. Esse
assunto é de competência exclusiva do Banco Central independente, que insiste em que a sociedade deva decidir como fazer
o ajuste fiscal, ao mesmo tempo
que, independentemente de
qualquer consulta à sociedade,
fixa câmbio e juros de tal forma
que precisamos fazer um ajuste
fiscal de US$ 25 bilhões com recessão para pagar juros.
O problema está posto e olhos
profissionais brilham diante do
desafio.
Os gastos em investimentos já
são irrelevantes, a reforma da
Previdência ajuda, mas só daqui a muitos anos, quando estaremos aposentados e discutindo
outros assuntos.
O problema é sofisticado. Depois de tantos anos de corte de
gastos -desde a crise do petróleo em 1974-, temos que inventar déficits.
O texto do pacote não se apequena diante do problema e
apresenta inovação. A previdência privada paga aposentadorias, em média, menores do
que a pública. Como é possível
tanta injustiça?
Na realidade, a previdência
privada é mais justa porque,
desde o presidente Geisel, de
saudosa memória, a previdência privada paga aposentadoria
para trabalhadores rurais idosos.
Paga um salário para cada
um. Coisa boa do governo brasileiro e felizmente esquecida pelos profissionais. O resultado é
que o número de aposentados é,
com muita justiça, maior, e a
aposentadoria média, menor.
Entretanto, se pagamos salário mínimo para os aposentados
rurais, o aposentado do setor
público passa a figurar como
marajá, como dizia o presidente
Collor.
O aposentado do setor público
recebe em média mais, pois conta com aposentadorias especiais
(não relevante no agregado),
com leis especiais (no agregado
não relevante) e com profissionais qualificados, como juízes,
promotores, professores e procuradores.
Quando o governo contrata
funcionário público, está escrito
no contrato que será aposentado segundo a lei, sem que tenha
que contribuir. Por isso o salário é menor do que no setor privado, no qual o assalariado
contribui. As despesas com aposentadoria seriam parte da folha de pagamento da União.
De repente, profissionais foram analisar déficits, faltas e
carências. Concluíram que, se
existem despesas sem receitas,
existem deficiências, o déficit da
aposentadoria do setor público.
E resolvem, portanto, cobrar
11% de imposto sobre as aposentadorias. Só na época do presidente Médici foi criado imposto
desse tipo sobre aposentados.
Agora, comentaristas de rádio
matinais vão encher a boca. "É
uma vergonha que o aposentado do setor público não contribua!"
E as despesas com juros? Também são feitas sem previsão de
receita. Também são déficits. O
governo também paga sem ter
receitas. E a sociedade, sempre
chamada a decidir sobre cortes,
não é consultada sobre essa despesa.
É verdade que o governo não
pode baixar juros nem tributar
juros com mais impostos. O capital é ágil, móvel, energético,
voa rapidamente para outras
praças que lhe paguem melhor.
Os aposentados, como os postes, não saem do lugar nem podem fazer nada. Só podem pagar.
João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
e ex-ministro do Planejamento (governo José
Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net
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