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São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nem sol, nem lua

BENJAMIN STEINBRUCH

Está na internet, no site www.ciep.org, um extraordinário trabalho, capaz de iluminar as discussões sobre os efeitos da futura Alca no Brasil. Feito no Ceip (Carnegie Endowment for International Peace), um conceituado instituto de Washington, o estudo mostra o que mudou na economia do México depois de quase dez anos de vigência do acordo de livre comércio da América do Norte, o Nafta.
No espaço diário que dispõe aqui na Folha, Clóvis Rossi já dedicou uma brilhante coluna ao assunto. Mas o trabalho, de 61 páginas, é denso em informações e merece ser lido na íntegra por quem se interessa pelo livre comércio.
Ao citar os efeitos do Nafta, os especialistas costumam enumerar dados econômicos gerais: as exportações (exceto petróleo) do México triplicaram desde o início do Nafta, em 1994, e atingem hoje US$ 150 bilhões por ano; o PIB cresceu 27% e já supera o do Brasil, com US$ 600 bilhões. O estudo do Ceip é diferente. Procura mostrar os efeitos da liberalização do comércio naquilo que interessa diretamente às pessoas, como o emprego, o nível salarial, a produção de alimentos, o ambiente e os ganhos sociais.
As conclusões do trabalho são preocupantes. Primeira e principal constatação: o Nafta praticamente não ajudou o México a aumentar sua oferta de empregos.
Nas maquiladoras, empresas que importam produtos americanos sem tarifas para processamento e reexportação, o ganho líquido foi de 550 mil postos de trabalho de 1994 a 2002. Cerca de 30% dos empregos criados nessas empresas desapareceram nos últimos dois anos por causa da recessão americana e da transferência de muitas fábricas para países que pagam baixos salários, especialmente a China.
Nas não-maquiladoras, havia 1,3 milhão de mexicanos empregados em 2002, cerca de 100 mil a menos que em 1994. Na agricultura, prejudicada por maciças importações de produtos americanos que entram no país sem taxação, o número de empregos caiu de 7,2 milhões para 6,8 milhões de 1994 a 2002. As importações de trigo americano cresceram 180% e as de milho foram multiplicadas por seis.
O México tem hoje, quase dez anos depois do início do Nafta, os mesmos problemas que tinha no início dos anos 90 em matéria de oferta de emprego. Cerca de 47% da força de trabalho permanece desempregada ou subempregada.
No início do Nafta, as previsões dos idealizadores eram que os salários médios dos mexicanos convergiriam naturalmente para o nível de remuneração dos americanos. Isso não ocorreu. O salário real, muito prejudicado pela crise do peso (1994-1995), não teve nenhum ganho nesse período de livre comércio.
Por isso, contra todas as previsões das autoridades, aumentou de forma assustadora a migração ilegal de mexicanos para os Estados Unidos, agravando um problema histórico nas relações entre os dois países. Em 2001, houve 1,3 milhão de apreensões na fronteira sudoeste, número que representa quase o dobro do de 1994.
Os anos do Nafta também não levaram nenhum progresso ao México em matéria de proteção ao ambiente. O governo mexicano estima que os problemas causados pela poluição na década passada tenham custado US$ 36 bilhões por ano. Ecologistas sustentam que esses prejuízos são maiores do que os ganhos obtidos com o crescimento do comércio e da economia em geral.
A despeito de todos esses problemas, os autores do estudo do Ceip concluem que o Nafta não foi para o México nem o desastre previsto pelos seus opositores nem a salvação imaginada pelos seus idealizadores. O acordo serviu para acelerar a transição para uma economia liberalizada, mas não criou as condições para que o México se aproximasse do nível de seus dois parceiros no acordo, os EUA e o Canadá.
Mas os entusiastas do Nafta acham que a experiência valeu a pena. E resumem sua defesa do acordo com uma pergunta: o que teria acontecido no México se estivesse fora do Nafta? Certamente, os números da economia do país seriam hoje muito piores, respondem. Uma pergunta semelhante devem fazer os brasileiros, neste momento em que se discute o lançamento da Alca. O que ocorrerá no Brasil se o país ficar fora do Acordo de Livre Comércio das Américas?
Parece, portanto, muito sensato o caminho seguido pela diplomacia brasileira na reunião de Miami, em meados de novembro. Caminha-se para um acordo inicial cauteloso, que não prejudique demasiadamente a economia brasileira, mas que permita um avanço gradual em direção ao livre comércio no continente.
A Alca para o Brasil, a exemplo do que foi o Nafta para o México, não é o demônio destruidor da economia nem a tábua de salvação para levar o país rapidamente para o Primeiro Mundo. Há muito a fazer além da Alca em matéria de relações globais: acordos com China, Índia e outros países de médio desenvolvimento, aproximação da União Européia e aprofundamento do Mercosul.
Em todos os casos, deve ser colocado em primeiro lugar o interesse principal do país, que é a criação de empregos e do bem-estar dos brasileiros.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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