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OPINIÃO ECONÔMICA
Nem sol, nem lua
BENJAMIN STEINBRUCH
Está na internet, no site
www.ciep.org, um extraordinário trabalho, capaz de iluminar as discussões sobre os efeitos
da futura Alca no Brasil. Feito no
Ceip (Carnegie Endowment for
International Peace), um conceituado instituto de Washington, o
estudo mostra o que mudou na
economia do México depois de
quase dez anos de vigência do
acordo de livre comércio da América do Norte, o Nafta.
No espaço diário que dispõe
aqui na Folha, Clóvis Rossi já dedicou uma brilhante coluna ao
assunto. Mas o trabalho, de 61 páginas, é denso em informações e
merece ser lido na íntegra por
quem se interessa pelo livre comércio.
Ao citar os efeitos do Nafta, os
especialistas costumam enumerar dados econômicos gerais: as
exportações (exceto petróleo) do
México triplicaram desde o início
do Nafta, em 1994, e atingem hoje
US$ 150 bilhões por ano; o PIB
cresceu 27% e já supera o do Brasil, com US$ 600 bilhões. O estudo
do Ceip é diferente. Procura mostrar os efeitos da liberalização do
comércio naquilo que interessa
diretamente às pessoas, como o
emprego, o nível salarial, a produção de alimentos, o ambiente e
os ganhos sociais.
As conclusões do trabalho são
preocupantes. Primeira e principal constatação: o Nafta praticamente não ajudou o México a aumentar sua oferta de empregos.
Nas maquiladoras, empresas
que importam produtos americanos sem tarifas para processamento e reexportação, o ganho líquido foi de 550 mil postos de trabalho de 1994 a 2002. Cerca de
30% dos empregos criados nessas
empresas desapareceram nos últimos dois anos por causa da recessão americana e da transferência
de muitas fábricas para países
que pagam baixos salários, especialmente a China.
Nas não-maquiladoras, havia
1,3 milhão de mexicanos empregados em 2002, cerca de 100 mil a
menos que em 1994. Na agricultura, prejudicada por maciças importações de produtos americanos que entram no país sem taxação, o número de empregos caiu
de 7,2 milhões para 6,8 milhões de
1994 a 2002. As importações de
trigo americano cresceram 180%
e as de milho foram multiplicadas
por seis.
O México tem hoje, quase dez
anos depois do início do Nafta, os
mesmos problemas que tinha no
início dos anos 90 em matéria de
oferta de emprego. Cerca de 47%
da força de trabalho permanece
desempregada ou subempregada.
No início do Nafta, as previsões
dos idealizadores eram que os salários médios dos mexicanos convergiriam naturalmente para o
nível de remuneração dos americanos. Isso não ocorreu. O salário
real, muito prejudicado pela crise
do peso (1994-1995), não teve nenhum ganho nesse período de livre comércio.
Por isso, contra todas as previsões das autoridades, aumentou
de forma assustadora a migração
ilegal de mexicanos para os Estados Unidos, agravando um problema histórico nas relações entre
os dois países. Em 2001, houve 1,3
milhão de apreensões na fronteira sudoeste, número que representa quase o dobro do de 1994.
Os anos do Nafta também não
levaram nenhum progresso ao
México em matéria de proteção
ao ambiente. O governo mexicano estima que os problemas causados pela poluição na década
passada tenham custado US$ 36
bilhões por ano. Ecologistas sustentam que esses prejuízos são
maiores do que os ganhos obtidos
com o crescimento do comércio e
da economia em geral.
A despeito de todos esses problemas, os autores do estudo do Ceip
concluem que o Nafta não foi para o México nem o desastre previsto pelos seus opositores nem a
salvação imaginada pelos seus
idealizadores. O acordo serviu
para acelerar a transição para
uma economia liberalizada, mas
não criou as condições para que o
México se aproximasse do nível
de seus dois parceiros no acordo,
os EUA e o Canadá.
Mas os entusiastas do Nafta
acham que a experiência valeu a
pena. E resumem sua defesa do
acordo com uma pergunta: o que
teria acontecido no México se estivesse fora do Nafta? Certamente, os números da economia do
país seriam hoje muito piores, respondem. Uma pergunta semelhante devem fazer os brasileiros,
neste momento em que se discute
o lançamento da Alca. O que
ocorrerá no Brasil se o país ficar
fora do Acordo de Livre Comércio
das Américas?
Parece, portanto, muito sensato
o caminho seguido pela diplomacia brasileira na reunião de Miami, em meados de novembro. Caminha-se para um acordo inicial
cauteloso, que não prejudique demasiadamente a economia brasileira, mas que permita um avanço gradual em direção ao livre comércio no continente.
A Alca para o Brasil, a exemplo
do que foi o Nafta para o México,
não é o demônio destruidor da
economia nem a tábua de salvação para levar o país rapidamente para o Primeiro Mundo. Há
muito a fazer além da Alca em
matéria de relações globais: acordos com China, Índia e outros
países de médio desenvolvimento,
aproximação da União Européia
e aprofundamento do Mercosul.
Em todos os casos, deve ser colocado em primeiro lugar o interesse principal do país, que é a criação de empregos e do bem-estar
dos brasileiros.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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