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São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Euforia no Brasil pode ter vindo cedo demais

DO "FINANCIAL TIMES"

Luiz inácio Lula da Silva, o presidente esquerdista do Brasil, se tornou o improvável xodó dos mercados financeiros. Antes de ele assumir o poder, na virada do ano, o principal temor dos investidores era que viesse a conduzir o país a uma moratória. Mas, em lugar disso, os preços das ações brasileiras estão batendo recordes de alta. As exportações dispararam. E Lula está obtendo progresso sólido em sua agenda política, com as muito adiadas reformas previdenciária e tributária prontas para aprovação dentro de poucos meses.
A questão é determinar se os mercados estão comemorando cedo demais. Os números divulgados na semana passada para o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no terceiro trimestre demonstram que a recuperação da recessão vem sendo dolorosamente lenta. O governo conseguiu sucesso na estabilização da economia, mas agora é preciso que comece a procurar por novas maneiras de promover crescimento rápido e sustentável.
Os investidores têm motivos para se sentir animados com a política fiscal severa mantida pelo presidente, com a queda da inflação e com o impressionante superávit comercial, estimulado pelos fortes preços das commodities. Mas o Brasil continua tentando escapar do fundo buraco em que foi lançado pela crise financeira de 2002 e os ajustes fiscais duros adotados na sequência.
A demanda interna está menor, no momento, do que há um ano, enquanto o desemprego está um ponto percentual acima da marca quando da posse de Lula. As pessoas empregadas estão ganhando em média 15,2% menos, em termos reais, do que no ano passado. O número de falências vem crescendo, o investimento estrangeiro entrou em queda. Muitos dos governos estaduais não dispõem de caixa suficiente para pagar os tradicionais abonos natalinos. É verdade que surgiram sinais de uma recuperação nos investimentos. Mesmo assim, é difícil aceitar que o nível de crescimento do ano que vem supere consideravelmente a faixa dos 3% a 4%, o que não bastaria para eliminar o excedente de mão-de-obra disponível no mercado. As taxas de juros caíram, para 17,5% anuais, mas os bancos continuam a cobrar de maneira exorbitante por empréstimos pessoais ou para empresas.
O nível de endividamento pode se ter estabilizado, e o perfil da dívida, se alongado, com datas de vencimento mais distantes propiciadas pela queda no risco de inadimplência. Mas, mesmo assim, o peso dos juros e do principal da dívida continua a ser esmagador. Mesmo com um superávit primário de 4,25%, os pagamentos de juros significam que o Brasil terá de encarar um déficit nominal equivalente a mais de 4% do PIB.

Próximo estágio
Os benefícios propiciados pelas mudanças nos sistemas tributário e previdenciário só se farão sentir, por definição, em prazo mais longo. Assim, é preciso que o governo brasileiro embarque agora no próximo estágio das reformas. Uma das prioridades deve ser esclarecer a regulamentação dos setores de energia e telecomunicações, para reassegurar os potenciais investidores. Outra seria reduzir a burocracia que muitas vezes dificulta excessivamente a realização de negócios no Brasil. Os lentos e complexos processos judiciais do país também precisam ficar mais enxutos. E as operações do governo precisam ganhar mais ordem.
No mês que vem, uma reforma ministerial planejada oferecerá ao presidente uma oportunidade excelente de indicar ministros mais efetivos para algumas áreas. Se ele também agir para racionalizar o grande número de programas sociais brasileiros, isso serviria como um sinal claríssimo de que o governo tem a força de vontade necessária a adotar uma agenda mais ampla de mudanças.


Tradução de Paulo Migliacci

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