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Dólar corre última volta como âncora do sistema cambial
Moeda norte-americana deve deixar de ser única referência do sistema de câmbio para os países de recente industrialização
Um motivo importante para que os países desejem
abandonar o vínculo com
a moeda é a possibilidade
de importar inflação
WOLFGANG MUNCHAU
DO "FINANCIAL TIMES"
Foi uma das mais influentes
teorias sobre as taxas de câmbio na era da globalização e pode estar a ponto de desaparecer
do cenário.
Em 2003, os economistas
Michael Dooley, David Folkerts-Landau e Peter Garber*
propuseram aquilo que veio a
ser conhecido como a Teoria de
Bretton Woods 2. A idéia se baseava na observação de que países de industrialização recente
costumavam vincular suas
moedas ao dólar a uma taxa de
câmbio depreciada, para promover crescimento econômico
baseado em exportação. Em
troca, eles reinvestiam o dinheiro que ganhavam com as
exportações na economia dos
EUA, que servia como âncora e
como consumidor de último
recurso para o planeta.
Em 2006, os EUA operaram
com um déficit em conta corrente superior a 6% de seu PIB
(Produto Interno Bruto), nível
que normalmente seria considerado excessivo. A Teoria de
Bretton Woods 2 afirma que
esse estado de coisas é tanto
sustentável quanto desejável.
Afirmar que nem todo mundo
concorda com essa idéia é quase desnecessário. E agora parece que, quer você considere essa situação desejável, quer não,
ela provavelmente é insustentável, de qualquer maneira.
Uma prova estatística importante ainda que não conclusiva
é o mais recente conjunto de
dados sobre o fluxo mundial de
fundos. Os fluxos financeiros
que retornam aos Estados Unidos parecem ter sofrido parada
súbita no trimestre passado. Os
dados do Tesouro norte-americano sobre o Sistema Internacional de Capital (TIC, na sigla
em inglês) demonstram queda
maciça nas aquisições líquidas
estrangeiras de títulos norte-americanos de longo prazo do
final de junho em diante.
Para ter idéia das magnitudes
envolvidas, as aquisições líquidas estrangeiras de títulos norte-americanos de longo prazo
-a diferença entre as aquisições estrangeiras de títulos
norte-americanos e as aquisições norte-americanas de títulos estrangeiros- vinham
mantendo uma média de cerca
de US$ 70 bilhões ao mês em
2005 e subiram um pouco no
ano passado. O influxo líquido
em junho deste ano continuou
a ser de fortes US$ 99,9 bilhões,
mas o número caiu a US$ 19,5
bilhões positivos em julho, US$
70,6 bilhões negativos em agosto e voltou a US$ 26,4 bilhões
positivos em setembro.
Se tomarmos os números vigentes em 2005 e 2006 como o
montante necessário para
manter o déficit em conta corrente dos Estados Unidos no
patamar do ano passado (com o
acréscimo ou a perda de alguns
poucos bilhões de dólares), esse
declínio súbito com certeza parece indicar uma grande alteração estrutural.
Com a queda no superávit
norte-americano na conta de
capital, a lógica indica que o déficit do país em conta corrente
deve registrar queda semelhante. No entanto, isso também
aponta que o sistema de Bretton Woods 2 já não funciona da
maneira que deveria.
De certa forma, Bretton
Woods 2 parece ser um gigantesco cartel internacional de lavagem de dinheiro. Você compra meus produtos e, em troca,
eu devolvo seu dinheiro em forma de empréstimos. Talvez não
seja surpreendente que tenha
sido necessário um colapso do
mercado de crédito para dar
um fim a essa arapuca.
Futuro
E o que virá a seguir? Os regimes cambiais mundiais tendem a funcionar em ciclos longos, com os regimes de câmbio
livre e de taxas administradas
sucedendo um ao outro com
um grau surpreendente de regularidade.
O final do sistema de Bretton
Woods original foi acompanhado por um período de livre flutuação das taxas de câmbio. A
Europa deu início ao longo processo em direção à sua união
monetária, por meio de um mecanismo de taxas de câmbio
que resultaria, 30 anos mais
tarde, em uma moeda unificada
e de livre flutuação nos mercados de câmbio. Assim, o que teremos depois da Teoria de
Bretton Woods 2?
Consigo imaginar dois cenários. O primeiro é que o monopólio mundial do dólar dará lugar a um duopólio da moeda
norte-americana e do euro. É
impossível prever o momento
preciso dessa mudança. Com o
tempo, à medida que os países
substituem o vínculo entre
moedas e o dólar por uma cesta
mista de divisas, é provável que
procedam também a um reajuste em suas posições de reserva cambial.
Um motivo importante para
que desejem abandonar o vínculo com o dólar é a ameaça de
importar inflação, que se tornou problema na China e nos
seis países do Conselho de Cooperação para os Estados Árabes
do Golfo (GCC, na sigla em inglês), depois da desvalorização
da moeda norte-americana.
Houve alguns recentes sinais,
por exemplo, de que o vínculo
com o dólar estaria a ponto de
ser abandonado nos Emirados
Árabes Unidos.
Evidentemente, caso isso venha a acontecer, o dólar quase
certamente cairá ainda mais e
isso poderá induzir outros países a também abandonar o vínculo cambial com a moeda norte-americana. Não é difícil imaginar uma situação em que o
sistema de Bretton Woods 2 se
desmantelaria de maneira desordenada.
Outra possibilidade, ao menos em teoria, é o surgimento
de regimes regionais de taxas
de câmbio, semelhante ao que
aconteceu na Europa quando o
sistema de Bretton Woods 1 entrou em colapso. Existe muita
conversa sobre uma união monetária asiática, há bastante
tempo, com poucos progressos
concretos até o momento.
De qualquer maneira, estamos provavelmente percorrendo a última e longa volta do dólar como única âncora do sistema mundial de câmbio. Ainda
não compreendemos plenamente a nova era, mas provavelmente não será a Teoria de
Bretton Woods 3.
*Ver, por exemplo, "An Essay on the Revised
Bretton Woods System" [ensaio sobre o sistema de Bretton Woods revisado], Nber working
paper 9971 www.nber.org.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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