São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A palavra que começa com "r"


Comitê "oficial" de batismo da recessão diz que desgraça começou faz um ano; indústria diz que crise pode durar mais

A RECESSÃO americana é "oficial". Teve início há um ano, segundo o comitê de economistas (NBER) que se encarrega de batizar a desgraça. Trata-se de um modo mais complexo de pensar recessões. Mesmo que o PIB não tenha encolhido num período de um ano ou de dois semestres, o NBER ousa chamar a coisa pelo seu nome.
Mas o número mais relevante de ontem foi um indicador de que a crise talvez dure outro ano. Trata-se do ISM industrial, número que dá a tendência de produção nas fábricas, obtido a partir de opiniões de executivos encarregados de compras. É o mais importante indicador produzido pelo setor privado nos EUA.
O Índice dos Gerentes de Compra (ISM), número síntese da associação industrial, foi a 36,2% em novembro, o pior desde 1982, final de recessão feia. Na pesquisa, o executivo responde se as compras da empresa estão em alta, na mesma ou em baixa (respondem ainda sobre emprego, estoques etc.: o ISM é uma síntese). Para chegar ao índice, o ISM soma as respostas "em alta" com metade das respostas "na mesma". Se todo mundo (100%) responder "na mesma", o índice dá pois, 50%: sem mudança. Menos de 50% é retração nas fábricas. Menos de 41,1% é retração na economia toda.
O ISM também é um bom indicador antecedente: do que vai acontecer adiante na economia, o que parece péssimo. O ISM do emprego é o menor desde a recessão de 1991. Dados oficiais ainda mostram que o desemprego é o pior em 15 anos. Também ontem, Ben Bernanke, presidente do Fed, o BC americano, reconheceu em público que quase não tem mais como baixar juros. A meta da taxa "básica" nos EUA é 1%.
Na prática, a taxa efetiva está nuns 0,5%, depois de flutuar em torno de 0,35% depois do corte do final de 29 de outubro). Ou seja, o Fed deixa mais dinheiro na praça e, assim, permite que a taxa caia abaixo da meta.
"A esta altura, o emprego de políticas de taxa de juros a fim de sustentar a economia é obviamente limitado", disse. Bernanke assumiu com mais clareza que resta agora ao Fed comprar títulos do governo. Quanto maior a procura por tais papéis, maior o seu preço e, pois, menor seu rendimento. Ontem, o título do Tesouro dos EUA de dez anos rendia 2,72%. O de dois anos, 0,9%. O de três meses, 0,07% -ou seja, nada.
Os investidores que fogem do risco e correm em massa para tais títulos já haviam derrubado os rendimentos. O Fed avisa então que os papéis vão render menos que nada. Coisas estranhas ocorrem nos EUA, pátria da economia padrão, dita ortodoxa.
O Fed tornou-se o grande intermediador financeiro. Compra em massa notas promissórias e créditos que as instituições financeiras têm a receber de compradores de casa, carros, de dívida estudantil, de cartão de crédito. Fica com os riscos e, assim, recicla a carteira de crédito dos bancos, a fim de incentivá-los a emprestar mais. Trata-se de transfusão de sangue crônica para o sistema de securitização de crédito, a alma da finança dos EUA, ora em coma. O Fed prometeu emprestar cerca de US$ 1,3 trilhão para tais fins, operações corriqueiras da economia. Outros US$ 700 bilhões vão saindo para adquirir partes de bancos, garantir fusões de bancos privados e para comprar papéis podres da finança.

vinit@uol.com.br


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