São Paulo, sábado, 03 de janeiro de 2009

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Europa espera maior intervenção estatal

Mais da metade dos europeus afirma que o desemprego aumentará com o esperado esfriamento da economia em 2009

Urgência no combate à crise deve acentuar tensões entre países da União Europeia; para empresas, prioridade será a de "sobreviver"

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Dos países da antiga Cortina de Ferro à sólida Suíça, passando pelas maiores economias do continente, como Alemanha, Reino Unido, França e Itália, nenhum país da Europa deve escapar da recessão neste ano. A intensidade da gripe variará, mas o mesmo remédio deverá ser exigido por todos os pacientes: intervenção do governo.
A expectativa é que essa urgência acentue tensões entre os principais países da União Europeia, que divergem sobre a melhor forma de reativar a atividade econômica do bloco, sem esquecer de sua agenda política doméstica.
Na Alemanha, a contagem regressiva para a eleição nacional de setembro mantém a premiê Angela Merkel relutante em usar dinheiro público para o resgate, temendo desequilibrar o orçamento e desagradar seus sócios na coalizão governista, os social-democratas.
Enquanto isso, França e Reino Unido, que deixaram de lado a preocupação com o buraco nas contas públicas, reclamam que a maior economia da Europa não está fazendo a sua parte. Pressionada, Merkel prometeu mais um pacote para janeiro, depois que o de 31 bilhões de euros aprovado no começo de dezembro foi considerado insuficiente pelos vizinhos.
Mesmo após seguidos cortes nas taxas de juros, os bancos centrais europeus não conseguiram deter a desaceleração econômica, reforçando a impressão de que os governos terão que abrir mais os cofres para evitar que a recessão vire depressão. Novos estímulos fiscais e pacotes de resgate de setores inteiros, como o automobilístico, estão na pauta.
Com a zona do euro vivendo a sua primeira recessão, as perspectivas econômicas para 2009 pioram. O FMI (Fundo Monetário Internacional) teve que rever suas projeções de crescimento, baixando o desempenho de todos os países europeus. Mas o declínio poderá ser bem maior.
De acordo com um memorando interno do governo alemão, publicado pelo influente jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung", a contração da economia poderá chegar a 3% em 2009, muito pior que a projeção do FMI (de -0,8%). Se isso ocorrer, será o maior mergulho desde a Segunda Guerra.
O plano econômico aprovado pela União Europeia em sua última reunião de cúpula do ano prevê que cada país entre com o equivalente a 1,2% de seu PIB (Produto Interno Bruto), sobretudo em alívios fiscais para estimular o desconfiado consumidor a gastar. Mas diante do tamanho da crise, o FMI já avisou que o esforço terá que ser maior, de no mínimo 2%.
"Ao se aproximar da taxa zero, os bancos centrais estão perdendo sua eficiência", disse à Folha o economista Charles Wyplosz, diretor do Centro Internacional de Estudos de Bancos e Dinheiro, de Genebra.
"Os governos terão que assumir a responsabilidade pela recuperação, e a prioridade será dar aos consumidores recursos adicionais. Isso significa cortes fiscais", prevê.
Menos impostos ajudam, mas não dissolvem o bloqueio psicológico causado pelo medo da recessão. De acordo com o último Eurobarômetro, pesquisa de opinião da UE, mais de metade dos europeus esperam piora do desemprego (53%) e da economia (51%) em 2009.
A desconfiança é geral: além de afetar o consumo, paralisa o crédito e inibe os investimentos. Nem a beleza escapa.
"O movimento caiu pela metade", diz a dominicana Rachel Consoli, dona de um salão de beleza em Genebra, onde mora há 20 anos. "As pessoas aqui se assustam, param de gastar quando ouvem a palavra recessão. Não sei se é pelo trauma do que já viveram. Algumas falam até em guerra." Pelos cálculos do governo, a economia suíça encolherá 0,8% em 2009, depois de um ano em que seu principal setor, o bancário, liderou os prejuízos na Europa.
O UBS, maior banco suíço, perdeu mais de US$ 50 bilhões e precisou de um resgate do governo. Não foi o único. Segundo o BCE (Banco Central Europeu), a Europa sofreu 37% das perdas causadas pela crise ao sistema bancário mundial, de um total de US$ 720 bilhões.
Assim como nos EUA, a mesma ajuda que os bancos receberam do governo é exigida pelo setor automotivo. "Milhares de empregos estão em risco. Se o governo não ajudar a indústria, os gastos serão ainda maiores com o seguro-desemprego", avisa Derek Simpson, secretário-geral da Unite, maior união sindical britânica.
A maioria das empresas já reduziu drasticamente suas previsões de receita para 2009. Muitas só pensam em sobreviver, num ambiente cada vez mais "darwiniano", diz Nicolas Véron, do centro de estudos econômicos europeus Bruegel, em Bruxelas. "Parece óbvio que empresas de toda a Europa precisam se preparar para o pior", diz Véron. "Será um exercício brutal de seleção natural, com a extinção das mais fracas e oportunidades espetaculares para aquelas com capacidade de fazer aquisições".


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