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DESVENDANDO 2009
A grande implosão dos imóveis em 2008
ROBERT J. SHILLER
EM NEW HAVEN
O
QUE causou o colapso
dos preços da habitação em 2008 que serve
como raiz à crise financeira que
agora assola boa parte do mundo? Os preços das casas nos Estados Unidos, tais como medidos pelo índice de preços residenciais Standard & Poor's/Case-Shiller, caíram mais de 40%
em termos reais, ajustados pela
inflação, em algumas das principais cidades do país, desde
seu pico por volta do início de
2006. Em termos nacionais e
incluindo todas as cidades, a
queda é da ordem de 25%.
O mercado de futuros na Bolsa Mercantil de Chicago agora
prevê declínios de cerca de
mais 15% antes que os preços
cheguem ao final de sua queda,
em 2010. Essas são as previsões
do mercado -e não se trata de
um mercado muito líquido.
Mas os responsáveis pelas previsões estão considerando que,
em certos mercados, o declínio
dos preços, do pico ao ponto
mais baixo, superará 50%.
Por que estamos vendo quedas de preços tão severas? E
por que o mercado de habitação em tantos outros países
agora está refletindo condições
semelhantes? A resposta tem
tanto causas imediatas quanto
causas subjacentes.
A resposta imediata para os
Estados Unidos é que os padrões menos severos de empréstimos ajudaram pessoas a
comprar casas por preços cada
vez mais elevados, antes de
2006. Os empréstimos menos
rigorosos significavam que as
pessoas tinham liberdade para
fazer propostas que elevavam
os preços das casas a níveis ridículos. Barracos estavam sendo
vendidos por US$ 1 milhão.
Depois do pico, as instituições de crédito adotaram critérios mais rigorosos de empréstimo. Quando os compradores
encontram dificuldades para financiar a aquisição de imóveis,
os vendedores precisam reduzir os preços.
Esse alto e baixo dos empréstimos representa um ciclo de
crédito, e ciclos de crédito desempenharam papel importante nas flutuações econômicas
por séculos. Em "Lombard
Street", livro publicado em
1873, o empresário Walter Bagehot, editor da revista britânica "Economist", descreveu esses ciclos perfeitamente.
O boom que antecedeu a depressão dos anos 1870, em sua
descrição, se assemelha muito
ao que aconteceu antes da atual
crise. "Quando o crédito se expande", ele escreveu, "o resultado certo é um salto da prosperidade nacional; o país salta
para o progresso como que por
mágica. Mas apenas parte dessa
prosperidade tem base sólida...
Trata-se de uma prosperidade
precária."
Mas o ciclo de crédito não foi
a causa última da depressão dos
anos 1870 ou da crise que estamos vendo hoje. É preciso sempre perguntar, em última análise, por que os padrões de empréstimos foram primeiro
afrouxados e depois restaurados a uma maior severidade. O
ciclo de crédito é um mecanismo de amplificação. A instabilidade do setor de empréstimos
está sempre lá, e a crise se manifesta apenas quando algum
fator a precipita.
Além disso, o afrouxamento
excessivo dos padrões de empréstimo, seguido por aperto,
parece proeminente apenas
nos Estados Unidos, enquanto
o ciclo de expansão e contração
no setor de habitação é prevalente em boa parte do mundo.
O fator de precipitação que
levou à atual situação se relaciona à evolução da cultura
mundial, difundida rapidamente por veículos de mídia cada vez mais poderosos e pela internet, e de suas percepções sobre os mercados.
Admiração profunda
O fator está relacionado à
profunda admiração pelos
mercados que se desenvolveu
ao longo do boom, acompanhando a "teoria dos mercados
eficientes" que predomina na
economia acadêmica. Surgiu
um consenso generalizado de
que os mercados financeiros
desempenham de maneira tão
sublime a aglutinação de informações financeiras que seu julgamento coletivo necessariamente transcende o de qualquer reles mortal. Em 2004, no
auge do boom dos imóveis, um
livro de James Surowiecki com
o afrontoso título "The Wisdom of Crowds" ["A Sabedoria
das Multidões"] defendia vigorosamente essa ideia.
O boom nos mercados mundiais de habitação e nos mercados de ações entre 2003 e 2006
foi causado por essa ideia incorreta e pela crença em que investimentos em imóveis residenciais e em ações eram um
caminho seguro para a riqueza.
A ideia de que os valores de ambos os ativos só sobem, no longo prazo, se havia tornado um
artigo de fé, acompanhada pela
ideia de que tentar calcular os
momentos de inflexão do mercado era insensato. Havia uma
crença sincera, apoiada por um
julgamento intuitivo profundo,
de que as interrupções na trajetória ascendente dos preços seriam pequenas e apenas transitórias. As pessoas pareciam
pensar que a rápida valorização
desses mercados havia se tornado uma constante universal,
como a velocidade da luz.
Nada mais pode explicar, em
última análise, a imensa disposição dos emprestadores, no
período de boom até 2006, a reduzir seus padrões de crédito
quanto a hipotecas residenciais, a disposição das autoridades regulatórias a permitir que
eles o fizessem, a disposição das
agências de classificação de
crédito a oferecer classificações
elevadas para os títulos hipotecários e a disposição dos investidores a adquirir esses títulos.
Não há teoria econômica que
ofereça uma razão para que
pensemos que os preços desses
mercados só poderão subir. Ao
contrário: os economistas teóricos se sentem intrigados
diante da taxa de alta histórica
no mercado de ações, que eles
denominam "o enigma do ágio
acionário". Eles não têm jargão
equivalente para o mercado da
habitação porque, em termos
históricos, os preços (considerada a inflação) não subiram
muito em média, até depois da
bolha posterior a 2000.
Os booms nesses mercados
podem ser atribuídos substancialmente ao crescimento da
ideia de que os investidores devem reter continuamente o
máximo possível desses ativos,
da mesma maneira que as pessoas devem beber chá verde ou
comer chocolate escuro todos
os dias para suprir seus corpos
com antioxidantes. Ideias como essas criam demanda artificial -mas apenas por algum
tempo. Afinal, nós já deixamos
de fumar cigarros como forma
de prevenir infecções.
As pessoas acreditarão em
muita coisa se tiverem a impressão de que os ricos e os famosos também acreditam nelas. Mas essa crença pode ser
perturbada subitamente caso
eventos claramente visíveis a
contrariem. É isso que está
acontecendo agora, e 2009 provará ser um ano de desencanto
ainda mais profundo.
ROBERT SHILLER é professor de economia na
Universidade Yale e economista-chefe da MacroMarkets. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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