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Espanha vê o declínio antes da recuperação
Otimismo da década de 90 dá lugar a pessimismo intenso entre a população
Sem o motor da construção civil, taxa de desemprego pode alcançar 20% neste ano e economia deve continuar a encolher
Luciana Coelho/Folha Imagem
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Luminoso de Natal em catalão ironiza a situação espanhola, em Barcelona; taxa de desemprego no país é a mais alta da zona do euro
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BARCELONA
Enar Gallardo sai apressada
do nº 8 da rua Joaquin Pou, no
Bairro Gótico de Barcelona.
São 13h20 da última segunda-feira de 2009, e a estudante de
educação social de 22 anos é
uma das quase 70 pessoas que,
10 minutos antes de as portas
fecharem, ainda estavam na
agência estatal de emprego.
Diz que tem vergonha de estar ali. Afinal, ela, de classe média, tem alternativas nesses
seus primeiros meses "no paro"
-o desemprego na Espanha.
Outros muitos, não, conclui.
A despeito do raciocínio de
Enar, o único traço comum nos
rostos dentro da agência é o desânimo. São homens, mulheres, imigrantes, espanhóis, jovens, velhos, com filhos e solteiros, com roupas caras e baratas, currículos extensos ou não.
Com 1 de cada 5 pessoas na
Espanha em idade ativa sem
emprego, não dá mais para dizer que a crise no país tenha
uma cara. Há, porém, grupos
em que os "parados" são mais
numerosos, e entre eles sobressaem o dos jovens até 30 anos e
o dos imigrantes (os dados são
nebulosos ante a situação irregular de muitos, mas estima-se
o "paro" aí em 28%, aumento
de 50% no ano).
"Muita gente está voltando,
inclusive amigos meus", diz
Karim Gharbaoui, um marroquino de 32 anos parado há cinco meses, apesar do diploma
espanhol em hotelaria, dos dez
anos de residência no país e dos
cinco idiomas que fala. "Eu
mesmo estou pensando em
procurar emprego na Suíça."
Nesta virada de ano, os analistas estão pessimistas. Os espanhóis, idem. Pesquisa feita
em novembro pelo Centro de
Investigações Sociais para o
jornal "El País" mostra que
69,4% dos entrevistados esperam que em um ano a situação
econômica do país esteja igual
ou pior. Só 2,5% a avaliam como "boa", e ninguém, como
"muito boa".
Tanto desânimo não é infundado. Os salários espanhóis
murcharam, parando abaixo da
média europeia e criando a
crescente classe dos "mileuristas", de pouco poder aquisitivo
e, logo, um risco à recuperação
econômica. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o
IBGE local, metade dos assalariados no país recebe menos de
15,7 mil ao ano (média mensal de 1.300, ou R$ 3.300).
De mal a pior
Enar diz ter pelo menos quatro amigas sem emprego. Karim perdeu a conta. Um imigrante sul-americano que não
quis se identificar suspirou antes de responder que já está
sem trabalho há dois anos.
O entra e sai do prédio na
Joaquin Pou, um entre dezenas
de centros na cidade e de centenas no país, é sintomático. Uma
foto no site do "El País" do domingo passado mostrava uma
longa fila diante de uma agência semelhante em Madri. Todos esperavam a segunda-feira.
"Creio que a Espanha terá
problemas por muito tempo",
disse Albert Recio, do Departamento de Economia Aplicada
da Universidade Autônoma de
Barcelona. "Acho que o país
tem uma doença econômica
forte faz anos e que o setor de
construção civil camuflava."
"Doentes econômicos da Europa" foi como a influente revista britânica "The Economist" carimbou os espanhóis
em novembro.
Ninguém na União Europeia
-com exceção, talvez, dos irlandeses- foi atropelado tão
violentamente pela crise econômica como eles, e nenhum
dos grandes países, nas projeções da OCDE (Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), levará
tanto tempo para se recuperar.
Enquanto os vizinhos aos
poucos se reerguem, o desemprego espanhol continuará inchando e tem boa chance de superar os 20% em 2010. O PIB
seguirá em queda.
Recio diagnostica como origem da "doença" o modelo produtivo espanhol, que privilegiou os setores de construção
civil e serviços, enquanto a indústria foi sistematicamente
empobrecida. Modelo no qual o
Estado, ainda que hoje sob o governo do socialista José Luiz
Rodríguez Zapatero, limitou
suas atribuições.
O agravante apontado por ele
é a falta de capacidade de adaptação ou evolução da economia.
A Espanha, avalia, é como a
França ou a Escandinávia às
avessas -o país de Nicolas Sarkozy e os vizinhos nórdicos podem ter hoje líderes conservadores, mas a estrutura de bem-estar social é tão enraizada na
sociedade que qualquer menção a enxugá-la morre quase
imediatamente.
Crise retroativa
"A meu ver", diz o economista, "a saída para a Espanha passaria por um aumento do setor
público, onde hoje há empregos
melhores que no privado e espaço para atividades que geram
bem-estar social, pois há estudos que mostram que ainda se
investe pouco nisso."
O terremoto econômico foi o
baque maior, fazendo aumentar a fila do desemprego em
2,28 milhões de pessoas, para
4,15 milhões em dois anos. Mas
o problema havia explodido antes, junto com a bolha da construção civil inflada durante os
anos 90 e o início desta década
com base em um mercado de
crédito fácil -como tem sido a
história de toda esta crise.
O resultado foi a proliferação
de um número de imóveis muito superior à demanda e o consequente colapso de preços.
Em muitas cidades -sobretudo as litorâneas-, o que mais se
vê são anúncios de "vende-se".
Igualmente estranhos para os
padrões europeus são os baixos
preços que os acompanham.
"Na Europa, o setor de construção pesa entre 5% e 8% em
termos de empregos. Na Espanha só a construção em si representava 13%", compara Recio. Segundo a OCDE, o setor
dispensou 1 em cada 4 operários no ano passado.
Como a construção empregava muitos imigrantes, estes
foram os primeiros a receber o
bilhete azul -uma oferta do governo, desde 2007, de um bilhete aéreo para voltarem a
seus países de origem.
Não há ainda números confiáveis, mas a oferta está começando a ser aceita com mais
afinco por marroquinos e, sobretudo, equatorianos.
Outro setor afetado diretamente pelas crises (a mundial e
a imobiliária espanhola) é o de
turismo, que responde por 6%
do PIB do país. Enar Gallardo
perdeu seu emprego no aeroporto de Barcelona ao ver a
maioria das lojas do terminal
principal fechar. "O movimento praticamente acabou."
Por ora, as medidas tomadas
pelo governo se limitam a fundos extemporâneos para os benefícios sociais dos "parados".
Têm data para acabar ante um
caixa público minguado.
O deficit das contas públicas,
depois de ficar em 4,1% do PIB
em 2008, saltou para 9,6% no
ano passado e, segundo a
OCDE, vai continuar profundo
neste ano, em 8,5%.
"Este país está sob uma tempestade de neve", diz Recio. "E
o governo não tem nem pás."
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