São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLASSE MÉDIA
Com a recessão, que dificulta o sucesso do negócio próprio, cada vez mais desempregados tentam recolocação
Engenheiro evita virar suco outra vez


RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

O engenheiro cansou de virar suco. Na década de 80, uma lanchonete na avenida Paulista, em São Paulo, trazia em seu nome ("o engenheiro que virou suco") a história que se tornou emblemática da crise econômica e seus efeitos sobre a classe média.
Desde então, o profissional liberal teve de se acostumar com a idéia de que seu emprego também está ameaçado, assim como o do operário ou o da secretária. Na década de 90, a classe média encontrou uma alternativa para driblar o desemprego.
Com o dinheiro do Fundo de Garantia no bolso, muitos profissionais se entusiasmaram com a idéia de abrir um negócio ou uma consultoria e se livrar do cartão de ponto. Na recessão que se anuncia nesse verão, o jogo está virando mais uma vez.
"Os profissionais estão preferindo esperar uma recolocação numa empresa, mesmo ganhando menos do que no trabalho anterior", diz Ricardo Prado Xavier, diretor da Manager, empresa de recolocação de executivos.
O entusiasmo pela abertura de empresas ou por se tornar prestador de serviços independente arrefeceu. Mesmo com o alerta dos especialistas de que emprego com carteira assinada vai se tornar cada vez mais raro, os profissionais sonham com vagas nas empresas.
"As pessoas não querem arriscar suas economias em novos negócios ou virar consultores num momento de dificuldades como agora. Está ocorrendo uma disputa cada vez mais dura pelos empregos com carteira assinada", diz João Marcos Varella, da DBM, empresa de orientação de carreiras.
²
Pequenas empresas
A explicação para o medo de se tornar empreendedor pode ser encontrada na história dos pequenos empresários da década de 90. "A partir de 1993, houve uma euforia com abertura de novos negócios", conta Dórli Martins, consultora do Sebrae de São Paulo.
"Muitas pessoas recebiam a indenização e nos procuravam apenas para saber os documentos necessários para abrir uma empresa, nem se preocupavam em saber quais os riscos do negócio."
A onda de criação de empresas para produção de fraldas é um bom exemplo. Durante alguns meses, houve um crescimento explosivo de novas fabriquetas. A moda durou pouco. Com a venda da matéria-prima concentrada num único fornecedor, a maior parte das empresas ficou sem material e quebrou.
As dificuldades enfrentadas pelas pequenas empresas ficaram mais claras, na medida em que surgiram problemas até em tradicionais franquias de alimentos, uma das opções consideradas mais seguras. Marcas como a KFC e a Subway praticamente desapareceram do Brasil.
"Antes, as pessoas chegavam aqui entusiasmadas, nem queriam ouvir os alertas. Agora é o contrário. A maioria encara a abertura de uma empresa como uma espécie de prêmio de consolação", diz Dórli Martins, do Sebrae.
De 1995 a 1998, o Sebrae realizou 66 seminários para combater o desânimo dos novos empresários e mostrar que a perda de emprego não é sinal de fracasso pessoal. Metade dos encontros foi realizada em 1998.
Para os especialistas, está havendo até um excesso de pessimismo por parte dos empreendedores. Uma pesquisa recente do Sebrae mostra que, de cada cem pequenas empresas, 36 fecham as portas no primeiro ano de vida. Bem menos do que a idéia corrente de que 80% dos empreendimentos quebram antes de completar um ano.
²
Consultorias
Outra alternativa muito explorada pelos profissionais que perdiam emprego em meados da década, a montagem de uma consultoria, também está perdendo o apelo.
Segundo estudo do economista Márcio Pochmann, da Unicamp, as empresas cortaram 600 mil vagas com carteira assinada para profissionais de renda média, entre 1989 e 1997.
Boa parte das vagas foi terceirizada, ou seja, o profissional montou negócio próprio para prestar serviço a empresas. Metade das novas empresas de São Paulo se concentra na área de serviços, a maior parte em consultorias.
A febre das consultorias segue a tendência internacional da terceirização, mas também tem servido como ponte para profissionais que buscam uma recolocação. Para dificultar ainda mais as coisas, grandes empresas internacionais de consultoria aumentaram suas atividades no Brasil.
"A situação está difícil no mercado de trabalho, e nas consultorias existe uma forte competição com os grandes escritórios internacionais", diz Murilo Campos Pinheiro, vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.