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Bancos fortes ajudam país, diz Bradesco
Para Márcio Cypriano, economia brasileira se beneficia do fato de o sistema financeiro local não ter sido atingido pela crise
Presidente do Bradesco diz
não acreditar em alta da
inadimplência no país e cita
indicadores positivos,
como renda e emprego
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente do Bradesco,
Márcio Cypriano, 63, acha que
o Brasil tem condições de enfrentar a crise financeira internacional sem sofrer muitos arranhões. Ele aponta como uma
das razões o fato de o país ter
um sistema financeiro forte,
que não foi atingido pelo terremoto dos mercados globais.
Há poucos dias, enquanto os
grandes bancos americanos e
europeus exibiam perdas gigantescas em seus balanços, o
Bradesco registrou um lucro de
R$ 8 bilhões no ano passado.
Para Cypriano, neste momento de crise global, os números aproximam o Bradesco dos
grandes bancos de fora, o que
faz com que uma eventual hipótese de os bancos brasileiros
irem às compras de instituições
de fora do país não seja um sonho de uma noite de verão.
"Os bancos brasileiros já podem, eventualmente, pensar
em vôos mais altos", diz. A seguir, trechos da entrevista:
FOLHA - O Brasil vai sofrer com a
crise?
MÁRCIO CYPRIANO - O Brasil atravessou toda essa fase de turbulência e se saiu muito bem. A
nossa economia está mais preparada. Há cinco anos, quando
o crescimento da economia era
bem menor, quando tínhamos
uma situação de descontrole da
inflação, teríamos sentido muito mais. O dólar já teria disparado, a Bolsa declinado, e nada
disso aconteceu agora.
A estabilização da moeda foi
fundamental para o fortalecimento do sistema financeiro.
FOLHA - O sr. teme alguma mudança na política econômica?
CYPRIANO - Não, o governo vai
continuar perseguindo a estabilidade. A própria ata do Copom sinaliza uma preocupação
com a inflação. A decisão do BC
de manter a taxa de juros foi
exatamente prudente para que
a gente tenha a economia sob
controle. A meta de inflação [de
4,5% ao ano] vai prosseguir. O
câmbio flutuante é outro ponto
extremamente importante que
ajuda a fortalecer a economia.
O que o governo tem que fazer é
buscar mais austeridade fiscal.
FOLHA - Por que os bancos brasileiros conseguiram ficar de fora da crise internacional?
CYPRIANO - Nós não tivemos
aqui o ingresso de nenhum tipo
de crédito "subprime" (empréstimos de alto risco). As perdas vão ficar, realmente, concentradas nos principais bancos do mundo.
FOLHA - Mas por que o Brasil não
concedeu esse tipo de crédito?
CYPRIANO - Os "spreads" (taxas
de risco) brasileiros são muito
mais altos e, por isso, esses papéis não chegaram a entrar no
Brasil, o que foi muito sadio.
FOLHA - A que o sr. atribui a origem
dessa crise?
CYPRIANO - Tudo isso aconteceu lá fora por excesso de liquidez. A liquidez mundial era
muito grande e os bancos precisavam aplicar os seus disponíveis para rentabilizar a sua captação. Para o Brasil, gerou uma
lição para o futuro. Serve para a
gente como exemplo.
Mas o importante é que o sistema financeiro do país não foi
contaminado por essa crise. A
nossa economia continua extremamente forte. Um sistema
financeiro forte significa um
país forte. Banco sólido significa país forte. Banco fraco significa país em dificuldade. Veja só
o que aconteceu com a Argentina. Hoje só tem um ou dois
bancos na Argentina. O sistema
financeiro argentino se enfraqueceu e o país se enfraqueceu.
FOLHA - O sr. acha que o Banco
Central sobe os juros neste ano?
CYPRIANO - Depende do que
acontecer daqui para a frente.
Se essa crise for de prazo mais
curto, se não tiver longa duração e não for tão profunda, acho
que o BC não subirá os juros.
Agora, se a gente perceber que a
situação lá fora começa a piorar, a preocupação começará a
aumentar muito e aí eu não
descartaria uma elevação dos
juros. Não estou dizendo que
isso vai acontecer. De qualquer
forma, eu não descartaria,
eventualmente, uma pequena
alta dos juros. Qual é a principal
preocupação do governo? A estabilização da economia.
FOLHA - Como o sr. viu a decisão do
Banco Central de passar a recolher o
compulsório sobre as empresas de
arrendamento mercantil [leasing]?
CYPRIANO - Dado o princípio da
importância do controle inflacionário, o BC utilizou a sua
prerrogativa de utilizar um instrumento clássico de política
monetária que é o compulsório.
A conseqüência é um pouco de
aperto da liquidez, o que se refletirá no custo das captações
do sistema financeiro. É mais
uma cunha fiscal que pode se
refletir no custo do tomador final. Por outro lado, reduz a probabilidade de o BC elevar a taxa
Selic com o objetivo de evitar
uma alta da inflação.
FOLHA - O lucro dos bancos no Brasil não é muito alto?
CYPRIANO - Mais importante do
que o lucro é analisar a rentabilidade sobre o patrimônio. Nosso patrimônio líquido (do Bradesco) está em R$ 30 bilhões e
apresentamos um resultado de
R$ 8 bilhões no ano passado.
Estamos falando de 29%, 30%
de retorno sobre o patrimônio.
As indústrias estão ganhando
muito mais em rentabilidade.
As empresas de vários setores,
como siderurgia, cosmético,
petróleo, todas têm tido retornos sobre o patrimônio maiores que os dos bancos. O que o
sistema financeiro conseguiu
no Brasil foi um índice de eficiência operacional melhor.
FOLHA - Os bancos no Brasil preferem hoje conceder mais crédito que
se financiar com títulos públicos?
CYPRIANO - A situação está, sim,
se invertendo, mas é preciso
ver que antes não existia demanda por crédito. Ou melhor,
havia uma demanda reprimida
de consumo. As famílias queriam consumir, mas não tinham condições de recorrer ao
crédito. Sem consumo não há
crédito. Os bancos tinham então que aplicar em título público. Não havia alternativa. Com
a estabilização da economia,
melhorou a renda da população
e o nível do emprego. As pessoas estão consumindo mais.
FOLHA - E, se a crise apertar, não há
o risco de subir a inadimplência?
CYPRIANO - Não, não no crédito
imobiliário.
FOLHA - E no crédito em geral?
CYPRIANO - Todos os indicadores são positivos, tanto os da
renda e do emprego como os do
poder de compra das pessoas.
Pode haver um problema qualquer, mas, como a economia está muito bem, acho difícil.
FOLHA - O sr. é a favor de mais regulação do sistema financeiro?
CYPRIANO - Já temos um controle muito rígido no Brasil e
acho que não teria espaço para
acontecer o que ocorreu lá fora.
Agora, acho que regulação sempre é importante. Qualquer tipo de medida que aprimore os
controles é importante.
FOLHA - Como o sr. analisa os aumentos do IOF e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)?
CYPRIANO - Acho isso um negócio totalmente inusitado. Eleva-se a contribuição social de
um determinado segmento
porque ele é eficiente? É um
absurdo. Está se depreciando a
qualidade de gestão. Quem não
é eficiente não tem penalidade,
só quem é eficiente que paga.
FOLHA - O sr. diria que há certa hostilidade do governo com os bancos?
CYPRIANO - Não, não diria que
há hostilidade. No mundo inteiro, o lucro dos bancos é contestado. O mundo inteiro fala
que os bancos ganham muito
dinheiro. O problema dos bancos é que é uma atividade com
muitos riscos, são muitas operações de risco.
FOLHA - A crise internacional pode
ser uma oportunidade para os bancos brasileiros irem às compras?
CYPRIANO - Se a gente imaginar
que o Bradesco, há seis, sete ou
oito anos, valia US$ 8 bilhões e
hoje vale US$ 60 bilhões, nota-se que a coisa mudou muito. Os
bancos brasileiros já podem,
eventualmente, pensar em
vôos mais altos. Não temos nada em vista. Nossa prioridade é
o Brasil. Nós estamos apostando aqui num crescimento ainda
muito forte, na medida em que
a economia cresça como tem
avançado. Não pensamos em
nada lá fora, mas é uma hipótese que, daqui para a frente, a
gente não pode descartar.
FOLHA - Daria para sonhar com a
compra de um Citibank?
CYPRIANO - Não, não, eu não diria isso, mas, sei lá, é questão de
aparecer uma oportunidade e a
gente olhar. Outro dia eu falei e
repito: o Bradesco hoje está
muito mais para caçador do
que para caça.
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