São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008

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Bancos fortes ajudam país, diz Bradesco

Para Márcio Cypriano, economia brasileira se beneficia do fato de o sistema financeiro local não ter sido atingido pela crise

Presidente do Bradesco diz não acreditar em alta da inadimplência no país e cita indicadores positivos, como renda e emprego

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, 63, acha que o Brasil tem condições de enfrentar a crise financeira internacional sem sofrer muitos arranhões. Ele aponta como uma das razões o fato de o país ter um sistema financeiro forte, que não foi atingido pelo terremoto dos mercados globais.
Há poucos dias, enquanto os grandes bancos americanos e europeus exibiam perdas gigantescas em seus balanços, o Bradesco registrou um lucro de R$ 8 bilhões no ano passado.
Para Cypriano, neste momento de crise global, os números aproximam o Bradesco dos grandes bancos de fora, o que faz com que uma eventual hipótese de os bancos brasileiros irem às compras de instituições de fora do país não seja um sonho de uma noite de verão.
"Os bancos brasileiros já podem, eventualmente, pensar em vôos mais altos", diz. A seguir, trechos da entrevista:

 

FOLHA - O Brasil vai sofrer com a crise?
MÁRCIO CYPRIANO
- O Brasil atravessou toda essa fase de turbulência e se saiu muito bem. A nossa economia está mais preparada. Há cinco anos, quando o crescimento da economia era bem menor, quando tínhamos uma situação de descontrole da inflação, teríamos sentido muito mais. O dólar já teria disparado, a Bolsa declinado, e nada disso aconteceu agora. A estabilização da moeda foi fundamental para o fortalecimento do sistema financeiro.

FOLHA - O sr. teme alguma mudança na política econômica?
CYPRIANO
- Não, o governo vai continuar perseguindo a estabilidade. A própria ata do Copom sinaliza uma preocupação com a inflação. A decisão do BC de manter a taxa de juros foi exatamente prudente para que a gente tenha a economia sob controle. A meta de inflação [de 4,5% ao ano] vai prosseguir. O câmbio flutuante é outro ponto extremamente importante que ajuda a fortalecer a economia. O que o governo tem que fazer é buscar mais austeridade fiscal.

FOLHA - Por que os bancos brasileiros conseguiram ficar de fora da crise internacional?
CYPRIANO
- Nós não tivemos aqui o ingresso de nenhum tipo de crédito "subprime" (empréstimos de alto risco). As perdas vão ficar, realmente, concentradas nos principais bancos do mundo.

FOLHA - Mas por que o Brasil não concedeu esse tipo de crédito?
CYPRIANO
- Os "spreads" (taxas de risco) brasileiros são muito mais altos e, por isso, esses papéis não chegaram a entrar no Brasil, o que foi muito sadio.

FOLHA - A que o sr. atribui a origem dessa crise?
CYPRIANO
- Tudo isso aconteceu lá fora por excesso de liquidez. A liquidez mundial era muito grande e os bancos precisavam aplicar os seus disponíveis para rentabilizar a sua captação. Para o Brasil, gerou uma lição para o futuro. Serve para a gente como exemplo. Mas o importante é que o sistema financeiro do país não foi contaminado por essa crise. A nossa economia continua extremamente forte. Um sistema financeiro forte significa um país forte. Banco sólido significa país forte. Banco fraco significa país em dificuldade. Veja só o que aconteceu com a Argentina. Hoje só tem um ou dois bancos na Argentina. O sistema financeiro argentino se enfraqueceu e o país se enfraqueceu.

FOLHA - O sr. acha que o Banco Central sobe os juros neste ano?
CYPRIANO
- Depende do que acontecer daqui para a frente. Se essa crise for de prazo mais curto, se não tiver longa duração e não for tão profunda, acho que o BC não subirá os juros. Agora, se a gente perceber que a situação lá fora começa a piorar, a preocupação começará a aumentar muito e aí eu não descartaria uma elevação dos juros. Não estou dizendo que isso vai acontecer. De qualquer forma, eu não descartaria, eventualmente, uma pequena alta dos juros. Qual é a principal preocupação do governo? A estabilização da economia.

FOLHA - Como o sr. viu a decisão do Banco Central de passar a recolher o compulsório sobre as empresas de arrendamento mercantil [leasing]?
CYPRIANO
- Dado o princípio da importância do controle inflacionário, o BC utilizou a sua prerrogativa de utilizar um instrumento clássico de política monetária que é o compulsório. A conseqüência é um pouco de aperto da liquidez, o que se refletirá no custo das captações do sistema financeiro. É mais uma cunha fiscal que pode se refletir no custo do tomador final. Por outro lado, reduz a probabilidade de o BC elevar a taxa Selic com o objetivo de evitar uma alta da inflação.

FOLHA - O lucro dos bancos no Brasil não é muito alto?
CYPRIANO
- Mais importante do que o lucro é analisar a rentabilidade sobre o patrimônio. Nosso patrimônio líquido (do Bradesco) está em R$ 30 bilhões e apresentamos um resultado de R$ 8 bilhões no ano passado. Estamos falando de 29%, 30% de retorno sobre o patrimônio. As indústrias estão ganhando muito mais em rentabilidade. As empresas de vários setores, como siderurgia, cosmético, petróleo, todas têm tido retornos sobre o patrimônio maiores que os dos bancos. O que o sistema financeiro conseguiu no Brasil foi um índice de eficiência operacional melhor.

FOLHA - Os bancos no Brasil preferem hoje conceder mais crédito que se financiar com títulos públicos?
CYPRIANO
- A situação está, sim, se invertendo, mas é preciso ver que antes não existia demanda por crédito. Ou melhor, havia uma demanda reprimida de consumo. As famílias queriam consumir, mas não tinham condições de recorrer ao crédito. Sem consumo não há crédito. Os bancos tinham então que aplicar em título público. Não havia alternativa. Com a estabilização da economia, melhorou a renda da população e o nível do emprego. As pessoas estão consumindo mais.

FOLHA - E, se a crise apertar, não há o risco de subir a inadimplência?
CYPRIANO
- Não, não no crédito imobiliário.

FOLHA - E no crédito em geral?
CYPRIANO
- Todos os indicadores são positivos, tanto os da renda e do emprego como os do poder de compra das pessoas. Pode haver um problema qualquer, mas, como a economia está muito bem, acho difícil.

FOLHA - O sr. é a favor de mais regulação do sistema financeiro?
CYPRIANO
- Já temos um controle muito rígido no Brasil e acho que não teria espaço para acontecer o que ocorreu lá fora. Agora, acho que regulação sempre é importante. Qualquer tipo de medida que aprimore os controles é importante.

FOLHA - Como o sr. analisa os aumentos do IOF e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)?
CYPRIANO
- Acho isso um negócio totalmente inusitado. Eleva-se a contribuição social de um determinado segmento porque ele é eficiente? É um absurdo. Está se depreciando a qualidade de gestão. Quem não é eficiente não tem penalidade, só quem é eficiente que paga.

FOLHA - O sr. diria que há certa hostilidade do governo com os bancos?
CYPRIANO
- Não, não diria que há hostilidade. No mundo inteiro, o lucro dos bancos é contestado. O mundo inteiro fala que os bancos ganham muito dinheiro. O problema dos bancos é que é uma atividade com muitos riscos, são muitas operações de risco.

FOLHA - A crise internacional pode ser uma oportunidade para os bancos brasileiros irem às compras?
CYPRIANO
- Se a gente imaginar que o Bradesco, há seis, sete ou oito anos, valia US$ 8 bilhões e hoje vale US$ 60 bilhões, nota-se que a coisa mudou muito. Os bancos brasileiros já podem, eventualmente, pensar em vôos mais altos. Não temos nada em vista. Nossa prioridade é o Brasil. Nós estamos apostando aqui num crescimento ainda muito forte, na medida em que a economia cresça como tem avançado. Não pensamos em nada lá fora, mas é uma hipótese que, daqui para a frente, a gente não pode descartar.

FOLHA - Daria para sonhar com a compra de um Citibank?
CYPRIANO
- Não, não, eu não diria isso, mas, sei lá, é questão de aparecer uma oportunidade e a gente olhar. Outro dia eu falei e repito: o Bradesco hoje está muito mais para caçador do que para caça.


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