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Petróleo de Tupi muda geopolítica da energia
Brasil e Venezuela disputam cenário energético da AL
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A descoberta do megapoço
de Tupi, no litoral brasileiro,
colocou em circulação uma
versão atualizada de uma frase
clássica do pan-americanismo
("A América para os americanos", do presidente dos Estados Unidos James Monroe),
vista em geral pela esquerda como confissão explícita de intenções imperialistas.
Agora, tratar-se-ia de "o petróleo das Américas para os
americanos (do Sul e do Norte)". Ou, como prefere Paul Isbell, analista americano que é
investigador da área de economia e comércio internacional
do Real Instituto Elcano (centro de estudos espanhol):
"Se os EUA pudessem depender só da energia das Américas,
quer dizer, se as Américas pudessem ser auto-suficientes em
energia, ficariam livres e afastadas das rivalidades entre os
grandes consumidores da Eurásia (Europa e Ásia) pelos recursos energéticos do "Grande
Crescente" (Oriente Médio,
Ásia Central e Rússia)", escreveu para o "Infolatam", site especializado em América Latina.
Seria, como é óbvio, uma
considerável mudança na geopolítica energética do futuro.
Não se trata apenas de divagação acadêmica. Em março de
2007, os presidentes George W.
Bush e Luiz Inácio Lula da Silva
assinaram memorando de entendimento em que expressam
"a intenção de cooperar no desenvolvimento e difusão dos
biocombustíveis numa estratégia de três níveis" (bilateral, em
terceiros países e global).
Se vale para os biocombustíveis, não há nenhuma razão lógica para que o entendimento
não valha para o petróleo.
Aliás, o documento Bush/
Lula manifesta a intenção de
"trabalhar conjuntamente para
levar os benefícios dos biocombustíveis" a terceiros países,
em particular os da América
Central e do Caribe, os mais pobres das Américas, se excetuada a Bolívia.
O memorando é anterior à
descoberta do poço de Tupi,
que levará no mínimo cinco
anos para entrar em produção.
Em tese, portanto, fica para o
futuro esse desejo de mudar a
"geopolítica energética". Mas
convém lembrar que, antes
mesmo de Tupi entrar no radar, a Administração de Informação sobre Energia dos EUA
já dizia que o país tem a segunda maior reserva de petróleo na
região, atrás da Venezuela.
De todo modo, enquanto o
campo de Tupi é apenas promessa, a geopolítica energética
nas Américas Central e do Sul e
no Caribe é um mano a mano
entre Brasil e Venezuela, ainda
que nenhum dos dois assuma
abertamente a disputa.
Vista de fora, a equação fica
assim, conforme Isbell: "Venezuela e Brasil são os únicos países que, pelo tamanho de suas
reservas e sobretudo pela influência política, têm a capacidade de influir nas políticas dos
demais Estados latino-americanos, assim como no cenário
energético regional e global".
Ou, como prefere Stephanie
Hanson, do Council on Foreign
Relations, badalado centro de
estudos norte-americano: "Recentes grandes descobertas de
petróleo e gás na costa brasileira prometem mudar substancialmente a balança de poder
na América Latina, afastando a
hegemonia energética da Venezuela".
Chávez
Pode ser, mas, por enquanto,
Chávez está ganhando mais influência do que Lula.
Nesta semana a presidente
argentina, Cristina Kirchner,
viaja a Caracas, com o objetivo
declarado de colocar "a Venezuela na equação energética latino-americana para tornar
sustentável o crescimento".
Até aí, a frase parece uma obviedade quando se sabe que a
Venezuela é a maior produtora
de petróleo no subcontinente.
Mas a afirmação da presidente
argentina foi feita na sua primeira avaliação da reunião tripartite no último dia 24 em
Buenos Aires entre ela, Lula e o
boliviano Evo Morales.
A reunião destinava-se a solicitar ao governo brasileiro que,
no próximo inverno, cedesse à
Argentina parte do gás natural
que recebe da Bolívia, para evitar um apagão, já que a Bolívia
diz que não pode cumprir os
contratos de fornecimento assinados com seus dois vizinhos.
Lula recusou-se a ceder "uma
molécula" de gás que fosse, segundo o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli.
Ofereceu em troca 200 megawatts de energia elétrica (o
equivalente a 1 milhão de metros cúbicos de gás), quantidade que os argentinos consideram insuficiente. A Bolívia deveria fornecer 7 milhões de metros cúbicos à Argentina, mas
está enviando apenas entre 2
milhões e 3 milhões.
No verão, ainda dá. Mas, no
inverno, a Argentina precisaria
da totalidade do gás contratado, sob pena de reduzir o fornecimento aos lares (para o aquecimento) ou às indústrias.
É natural, por isso, que a presidente queira colocar a Venezuela na equação.
A Venezuela já é central na
equação energética de Nicarágua, Cuba e países centro-americanos, além de liderar os dois
outros exportadores da zona
andina (Bolívia e Equador) no
que o analista Paul Isbell chama de "política nacionalista".
Pelo menos até que o campo
de Tupi se torne operacional, o
Brasil entra nesse jogo apenas
com a promessa do álcool ou
mais genericamente dos biocombustíveis.
Lula trabalha sempre com a
idéia de que, com a tecnologia
brasileira do álcool (reconhecidamente a melhor do mundo) e
com financiamentos norte-americanos e/ou europeus, será possível que os países pobres
do Caribe e da América Central
se tornem exportadores de um
combustível mais limpo.
O problema é que os biocombustíveis ainda são uma promessa para o futuro, ao passo
que o petróleo venezuelano
jorra abundantemente há muitos anos.
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