São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Petróleo de Tupi muda geopolítica da energia

Brasil e Venezuela disputam cenário energético da AL

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A descoberta do megapoço de Tupi, no litoral brasileiro, colocou em circulação uma versão atualizada de uma frase clássica do pan-americanismo ("A América para os americanos", do presidente dos Estados Unidos James Monroe), vista em geral pela esquerda como confissão explícita de intenções imperialistas.
Agora, tratar-se-ia de "o petróleo das Américas para os americanos (do Sul e do Norte)". Ou, como prefere Paul Isbell, analista americano que é investigador da área de economia e comércio internacional do Real Instituto Elcano (centro de estudos espanhol):
"Se os EUA pudessem depender só da energia das Américas, quer dizer, se as Américas pudessem ser auto-suficientes em energia, ficariam livres e afastadas das rivalidades entre os grandes consumidores da Eurásia (Europa e Ásia) pelos recursos energéticos do "Grande Crescente" (Oriente Médio, Ásia Central e Rússia)", escreveu para o "Infolatam", site especializado em América Latina.
Seria, como é óbvio, uma considerável mudança na geopolítica energética do futuro.
Não se trata apenas de divagação acadêmica. Em março de 2007, os presidentes George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva assinaram memorando de entendimento em que expressam "a intenção de cooperar no desenvolvimento e difusão dos biocombustíveis numa estratégia de três níveis" (bilateral, em terceiros países e global).
Se vale para os biocombustíveis, não há nenhuma razão lógica para que o entendimento não valha para o petróleo.
Aliás, o documento Bush/ Lula manifesta a intenção de "trabalhar conjuntamente para levar os benefícios dos biocombustíveis" a terceiros países, em particular os da América Central e do Caribe, os mais pobres das Américas, se excetuada a Bolívia.
O memorando é anterior à descoberta do poço de Tupi, que levará no mínimo cinco anos para entrar em produção. Em tese, portanto, fica para o futuro esse desejo de mudar a "geopolítica energética". Mas convém lembrar que, antes mesmo de Tupi entrar no radar, a Administração de Informação sobre Energia dos EUA já dizia que o país tem a segunda maior reserva de petróleo na região, atrás da Venezuela.
De todo modo, enquanto o campo de Tupi é apenas promessa, a geopolítica energética nas Américas Central e do Sul e no Caribe é um mano a mano entre Brasil e Venezuela, ainda que nenhum dos dois assuma abertamente a disputa.
Vista de fora, a equação fica assim, conforme Isbell: "Venezuela e Brasil são os únicos países que, pelo tamanho de suas reservas e sobretudo pela influência política, têm a capacidade de influir nas políticas dos demais Estados latino-americanos, assim como no cenário energético regional e global".
Ou, como prefere Stephanie Hanson, do Council on Foreign Relations, badalado centro de estudos norte-americano: "Recentes grandes descobertas de petróleo e gás na costa brasileira prometem mudar substancialmente a balança de poder na América Latina, afastando a hegemonia energética da Venezuela".

Chávez
Pode ser, mas, por enquanto, Chávez está ganhando mais influência do que Lula.
Nesta semana a presidente argentina, Cristina Kirchner, viaja a Caracas, com o objetivo declarado de colocar "a Venezuela na equação energética latino-americana para tornar sustentável o crescimento".
Até aí, a frase parece uma obviedade quando se sabe que a Venezuela é a maior produtora de petróleo no subcontinente. Mas a afirmação da presidente argentina foi feita na sua primeira avaliação da reunião tripartite no último dia 24 em Buenos Aires entre ela, Lula e o boliviano Evo Morales.
A reunião destinava-se a solicitar ao governo brasileiro que, no próximo inverno, cedesse à Argentina parte do gás natural que recebe da Bolívia, para evitar um apagão, já que a Bolívia diz que não pode cumprir os contratos de fornecimento assinados com seus dois vizinhos. Lula recusou-se a ceder "uma molécula" de gás que fosse, segundo o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli.
Ofereceu em troca 200 megawatts de energia elétrica (o equivalente a 1 milhão de metros cúbicos de gás), quantidade que os argentinos consideram insuficiente. A Bolívia deveria fornecer 7 milhões de metros cúbicos à Argentina, mas está enviando apenas entre 2 milhões e 3 milhões.
No verão, ainda dá. Mas, no inverno, a Argentina precisaria da totalidade do gás contratado, sob pena de reduzir o fornecimento aos lares (para o aquecimento) ou às indústrias.
É natural, por isso, que a presidente queira colocar a Venezuela na equação.
A Venezuela já é central na equação energética de Nicarágua, Cuba e países centro-americanos, além de liderar os dois outros exportadores da zona andina (Bolívia e Equador) no que o analista Paul Isbell chama de "política nacionalista".
Pelo menos até que o campo de Tupi se torne operacional, o Brasil entra nesse jogo apenas com a promessa do álcool ou mais genericamente dos biocombustíveis.
Lula trabalha sempre com a idéia de que, com a tecnologia brasileira do álcool (reconhecidamente a melhor do mundo) e com financiamentos norte-americanos e/ou europeus, será possível que os países pobres do Caribe e da América Central se tornem exportadores de um combustível mais limpo.
O problema é que os biocombustíveis ainda são uma promessa para o futuro, ao passo que o petróleo venezuelano jorra abundantemente há muitos anos.


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