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OPINIÃO ECONÔMICA
A Lei Áurea da produção primária
ANTÔNIO ERNESTO DE SALVO
A recente tentativa do governo
de imaginar a taxação da produção
primária, atingindo especialmente
os produtores de soja, teve pronta
reação de toda a sociedade. Se o
país é competitivo nessa commodity, há mais razões para promover o aumento de suas exportações
e criar melhores condições de produção do que taxar as vendas externas de soja.
Expandir a produção significa
amealhar receitas superiores aos
atuais US$ 4,9 bilhões obtidos com
essas exportações. Taxar a comercialização da soja, num primeiro
instante, poderia até representar
ganho, que certamente não compensará os graves prejuízos causados pela perda de competitividade
do produto nacional, o qual deixaria de ser comercializado nas
quantidades desejadas. Afinal,
aquele que procura vender imposto para outros países, inflando preços com tributações incidentes na
cadeia produtiva, coloca-se na
contramão da história.
Quanto a isso, estamos de acordo. Mas o que é que parece leão,
tem cara de leão, pata de leão e não
é leão? Todo mundo sabe que é a
leoa. O que é que taxa a exportação, mas não é imposto de exportação? É o artigo 3º, inciso 2º, da
Lei Kandir, que, se revogado, teria
exatamente o mesmo efeito de um
imposto de exportação.
Pior do que isso: seria um imposto seletivo de exportação. Não seletivo quanto à essencialidade do
bem, o que seria razoável, mas
quanto ao setor que passa a ser tributado. Atingiria apenas os mais
competitivos: o setor primário e os
semi-elaborados.
A crise cambial e especialmente a
Lei Kandir livraram momentaneamente os produtos agropecuários
da taxação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) nas exportações. Além de
ter corrigido uma política discricionária de taxação do setor produtor rural "vis-à-vis" os demais
setores da economia, a nova legislação inseriu o Brasil num contexto competitivo e de modernização
da política tributária.
O crescimento das exportações
ocorrido nestes últimos dois anos
deve-se, em boa medida, à desoneração da incidência do ICMS nas
exportações. Em 1997, as vendas
externas registraram crescimento
de 15,3% em relação ao ano anterior; em 1998, o aumento do volume das exportações gerou um superávit de mais de US$ 7 bilhões na
balança comercial.
A Lei Kandir corrigiu a visão
equivocada de que o Brasil deveria
incentivar mais as exportações de
produtos processados, em detrimento de produtos primários.
Atualmente, o que prevalece na
teoria econômica é que o país deve
incentivar as exportações dos seus
produtos mais competitivos, independentemente de ser produtos
primários ou não. A grande verdade é que todos os segmentos saíram ganhando com a retirada da
cobrança do ICMS nas exportações, pois isso proporcionou melhores condições para a concorrência no mercado externo.
Se houver uma análise correta e
isenta, a mesma ira sagrada que se
levantou contra o imposto de exportação há de repetir contra a revogação do que a Lei Kandir fez em
relação ao setor primário. A Lei
Kandir é a Lei Áurea do exportador de produtos primários e semi-elaborados. Ela restabelece um
princípio de isonomia entre os setores, retira um preconceito e acaba com a injustiça. Revogá-la seria
como alguém propor como solução para um problema social o restabelecimento da escravidão no
Brasil. É absolutamente destituído
de bom senso.
Não estamos dizendo que se deixe de examinar a situação dos Estados eventualmente prejudicados
com perda de receita. Há outros
tópicos da Lei Kandir que mereceriam estudos. A sociedade está de
acordo com essa análise. Se houver
necessidade de tributações, também não poderíamos ficar contra,
desde que fossem distribuídas com
justiça pelos diversos segmentos
da sociedade, observando o preceito constitucional da isonomia.
Que todos contribuam. Se não
houver outra solução além de taxar algum tipo de produto exportado, então, que se taxem todos os
setores, mesmo que para isso seja
preciso aprovar uma emenda
constitucional. Mas fazer outra vez
do campo o burro de carga de
eventuais desmandos de Executivos, não.
Antônio Ernesto de Salvo, 65, é presidente da
CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
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