São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A política industrial da hora

GESNER OLIVEIRA

Embora contenha elementos positivos, a política industrial anunciada na última quarta-feira está longe daquilo que o Brasil precisa para ter uma estratégia de crescimento.
Não é preciso muita experiência em anúncios oficiais para perceber que muitas medidas que já estavam em estágios avançados de tramitação ou em pleno vigor pegaram carona no pacote de medidas. Afinal, era preciso mostrar que o governo não estava paralisado diante dos sucessivos constrangimentos políticos dos últimos dois meses.
Há, contudo, avanços no programa, como a ênfase do papel da inovação para o desenvolvimento. Basta lembrar um, entre vários, dos indicadores nessa matéria: segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, no ano passado o Brasil registrou 221 patentes internacionais, contra 611 da Índia, 376 da África do Sul e 1.200 da China. Sem contar, é claro, as 13.900 da Alemanha e as 41 mil dos EUA.
Mencione-se ainda a intenção de promover a desburocratização nas aduanas e nos procedimentos de abertura e fechamento de empresas no país. Assim como a preocupação em modernizar o sistema de certificação e metrologia, sem o que não dá para pensar em entrar no jogo do comércio internacional.
Porém a política industrial do governo Lula padece de três limitações principais. A primeira delas não é responsabilidade dos ministros da área, em particular do ministro Furlan. Trata-se da falta de articulação com a modernização da infra-estrutura.
É difícil imaginar uma revolução de gestão, produtos e processos no parque produtivo sem um salto correspondente em logística, energia e telecomunicações. No entanto a agenda do governo nessas áreas ou é inexistente ou representa retrocesso institucional de pelo menos uma década. Assim, o primeiro desafio de uma política industrial modernizante será contaminar os próprios segmentos do governo responsáveis pela infra-estrutura.
A segunda limitação reside na ausência de mecanismos adequados de financiamento e em particular de fortalecimento do mercado de capitais, de forma a viabilizar a onda de inovação que se almeja. É difícil imaginar que a mudança que se deseja possa ser viabilizada apenas por meio de fontes oficiais de crédito.
Até agora, o programa se resumiu a anunciar a mobilização de recursos da ordem de R$ 14,5 bilhões, dos quais dois terços viriam do remanejamento da carteira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e o restante, do Banco do Brasil e da Finep.
Em contraste com os próprios programas de PPPs (Parcerias Público-Privadas) defendidos pelo governo para a infra-estrutura, o financiamento dependeria exclusivamente do dinheiro público, sem compartilhamento de risco por parte do setor privado ou desenvolvimento de novos instrumentos financeiros. No passado, isso se revelou ineficiente e insuficiente para estimular o investimento e a poupança, como apregoa o programa do governo.
Por fim, a terceira limitação reside na ausência de um sistema adequado de incentivos. Não de incentivos fiscais ou de crédito. Mas de mecanismos que assegurem a obtenção das metas estabelecidas. A começar pela falta de transparência e precisão de quais são as metas a serem cumpridas.
Não há indicadores gerenciais e de produtividade a serem atingidos. No louvável esforço de desburocratização, por exemplo, menciona-se a meta de reduzir o prazo de abertura e fechamento das empresas. Seria um alívio para as empreendedoras e empreendedores brasileiros. Mas em que prazo? Quais serão as variáveis a serem acompanhadas? Qual é o patamar de referência? Nada disso está explicitado.
Da mesma forma, falta uma metodologia de aferição do desempenho dos programas, de forma a garantir que os objetivos dos programas sejam alcançados. Mais importante ainda, faltam prazos bem definidos de duração dos benefícios, de forma a impedir que determinados benefícios setoriais sejam perpetuados à custa do dinheiro público.
Há objetivos e intenções corretos na política industrial anunciada nesta semana. Mas há muito mais dever de casa a ser feito para tirá-la do papel em prol do desenvolvimento.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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