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OPINIÃO ECONÔMICA
A política industrial da hora
GESNER OLIVEIRA
Embora contenha elementos
positivos, a política industrial
anunciada na última quarta-feira está longe daquilo que o Brasil
precisa para ter uma estratégia de
crescimento.
Não é preciso muita experiência
em anúncios oficiais para perceber que muitas medidas que já estavam em estágios avançados de
tramitação ou em pleno vigor pegaram carona no pacote de medidas. Afinal, era preciso mostrar
que o governo não estava paralisado diante dos sucessivos constrangimentos políticos dos últimos dois meses.
Há, contudo, avanços no programa, como a ênfase do papel da
inovação para o desenvolvimento. Basta lembrar um, entre vários, dos indicadores nessa matéria: segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
no ano passado o Brasil registrou
221 patentes internacionais, contra 611 da Índia, 376 da África do
Sul e 1.200 da China. Sem contar,
é claro, as 13.900 da Alemanha e
as 41 mil dos EUA.
Mencione-se ainda a intenção
de promover a desburocratização
nas aduanas e nos procedimentos
de abertura e fechamento de empresas no país. Assim como a
preocupação em modernizar o
sistema de certificação e metrologia, sem o que não dá para pensar
em entrar no jogo do comércio internacional.
Porém a política industrial do
governo Lula padece de três limitações principais. A primeira delas não é responsabilidade dos
ministros da área, em particular
do ministro Furlan. Trata-se da
falta de articulação com a modernização da infra-estrutura.
É difícil imaginar uma revolução de gestão, produtos e processos no parque produtivo sem um
salto correspondente em logística,
energia e telecomunicações. No
entanto a agenda do governo nessas áreas ou é inexistente ou representa retrocesso institucional
de pelo menos uma década. Assim, o primeiro desafio de uma
política industrial modernizante
será contaminar os próprios segmentos do governo responsáveis
pela infra-estrutura.
A segunda limitação reside na
ausência de mecanismos adequados de financiamento e em particular de fortalecimento do mercado de capitais, de forma a viabilizar a onda de inovação que se almeja. É difícil imaginar que a
mudança que se deseja possa ser
viabilizada apenas por meio de
fontes oficiais de crédito.
Até agora, o programa se resumiu a anunciar a mobilização de
recursos da ordem de R$ 14,5 bilhões, dos quais dois terços viriam
do remanejamento da carteira do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e o restante, do Banco do
Brasil e da Finep.
Em contraste com os próprios
programas de PPPs (Parcerias
Público-Privadas) defendidos pelo governo para a infra-estrutura,
o financiamento dependeria exclusivamente do dinheiro público,
sem compartilhamento de risco
por parte do setor privado ou desenvolvimento de novos instrumentos financeiros. No passado,
isso se revelou ineficiente e insuficiente para estimular o investimento e a poupança, como apregoa o programa do governo.
Por fim, a terceira limitação reside na ausência de um sistema
adequado de incentivos. Não de
incentivos fiscais ou de crédito.
Mas de mecanismos que assegurem a obtenção das metas estabelecidas. A começar pela falta de
transparência e precisão de quais
são as metas a serem cumpridas.
Não há indicadores gerenciais e
de produtividade a serem atingidos. No louvável esforço de desburocratização, por exemplo, menciona-se a meta de reduzir o prazo de abertura e fechamento das
empresas. Seria um alívio para as
empreendedoras e empreendedores brasileiros. Mas em que prazo?
Quais serão as variáveis a serem
acompanhadas? Qual é o patamar de referência? Nada disso está explicitado.
Da mesma forma, falta uma
metodologia de aferição do desempenho dos programas, de forma a garantir que os objetivos dos
programas sejam alcançados.
Mais importante ainda, faltam
prazos bem definidos de duração
dos benefícios, de forma a impedir que determinados benefícios
setoriais sejam perpetuados à custa do dinheiro público.
Há objetivos e intenções corretos na política industrial anunciada nesta semana. Mas há muito mais dever de casa a ser feito
para tirá-la do papel em prol do
desenvolvimento.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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