São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Um primeiro passo

A mudança nas cotas do FMI foi um 1º passo para resolver os problemas de legitimidade e representatividade

VOU ESCREVER hoje sobre um tema que não costuma provocar no leitor o que Nelson Rodrigues chamava de "arrancos triunfais de cachorro atropelado". Trata-se do FMI. Compreendo o escasso entusiasmo. Mas é que a diretoria do Fundo tomou uma decisão que convém explicar um pouco: a reforma das cotas e dos votos.
Das 24 cadeiras da diretoria, 19 votaram a favor (EUA, Japão, Canadá, Austrália, as oito cadeiras européias, China, Índia, Brasil, Indonésia, Venezuela e as duas cadeiras africanas). Como revelou o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, três cadeiras votaram contra (Rússia, Arábia Saudita e Irã) e duas se abstiveram (Argentina e Arábia Saudita). As cadeiras que votaram favoravelmente detêm 86,6% dos votos ponderados.
A decisão definitiva cabe aos governadores dos 185 países-membros (quase sempre os ministros da Economia ou os presidentes de BCs), que votarão país por país (e não por cadeira, como na diretoria) até o dia 28. Para que a reforma seja aprovada, será preciso ter 85% dos votos ponderados e 3/5 dos países.
O Brasil é um dos países que mais ganham com a proposta. A nossa cota efetiva aumenta 40% em termos nominais, ao passar de 1,4% para 1,8% do total. O nosso poder de voto, de 1,4% para 1,7%.
Segundo o critério de pontos percentuais, o Brasil é o quarto maior ganhador em poder de voto entre todos os países-membros. Como a maioria dos países da nossa cadeira teve ganhos, o poder de voto da diretoria do Brasil aumenta de 2,4% para 2,8%.
Em termos de posição relativa, o Brasil passa de 18º para 15º entre os 185 países-membros. A nossa cadeira sobe de 21ª para 18ª entre as 24 cadeiras da diretoria no ranking de poder de voto.
A nova fórmula para cálculo das cotas traz algumas inovações. Uma delas foi a maior relevância do PIB, cujo peso sobe de cerca de 30% para 50%. Outra novidade foi a incorporação do PIB calculado segundo a paridade do poder de compra (PPP) como um dos componentes na determinação da variável PIB (com participação de 40%).
O aumento da participação do Brasil baseia-se em um critério adicional, que leva em conta a existência de países muito subrepresentados em termos de PIB-PPP. É o caso do Brasil, que tem uma quota efetiva de 1,4% do total, quando a sua participação no PIB-PPP mundial chega a 2,9%. Estabeleceu-se que, nesses casos, o aumento nominal mínimo da cota ficará em 40%.
A transferência de votos dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento será de 2,7 pontos percentuais. Os países emergentes e em desenvolvimento contarão com 42,1% dos votos. Ao longo do tempo, com a nova fórmula, a expectativa é que os países em desenvolvimento passem a ter maior participação nas decisões do FMI.
A mudança poderia ser maior?
Teoricamente, sim. O problema é que a reforma precisa de 85% dos votos para ser aprovada. Qualquer mudança abrupta, que implicasse perdas maiores para alguns países ou grupos de países, poderia ser bloqueada com relativa facilidade.
Daí a importância de entender essa mudança como um primeiro passo, que apenas começa a resolver os problemas de legitimidade e representatividade do FMI. Por isso, a nossa cadeira lutou até o último momento para reforçar o compromisso com a revisão periódica das cotas. A resolução submetida à consideração dos governadores estabelece que haverá a revisão a cada cinco anos, de forma a alinhar as cotas e os votos à evolução da economia mundial.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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