São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

Serra e as pesquisas

Em geral, a compartimentalização da cobertura cria dois problemas para o jornalismo econômico e para o político. Para o econômico, o fato de muitas vezes não avaliar adequadamente as implicações da política na economia. Para o político, o fato de não pesar as consequências da economia sobre a política.
Tome-se o caso da candidatura José Serra. Atribui-se sua estagnação nas últimas semanas à crise com o PFL, à presumível falta de carisma de Serra -como se FHC fosse carismático-, ao episódio Lunus etc., à sua falta de simpatia, que era a mesma quando estava mais bem colocado nas pesquisas.
Se se incluíssem fatores econômicos recentes, o quadro ficaria um pouco mais compreensível, porque é nesse campo que ocorreram mudanças significativas, com reflexos inevitáveis sobre o quadro político.
Primeiro, uma deterioração das expectativas econômicas, fato que começou a ocorrer há um mês. A economia não reagiu da forma como se previra no início do ano. Pensava-se então que, com as condições macroeconômicas favoráveis, as exportações estimulariam a atividade econômica. Esse processo começa a ocorrer, mas de forma muito lenta e só será perceptível a partir de meados do ano ou até um pouco depois, a julgar pelas últimas pesquisas da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
As razões são variadas. A crise argentina tirou US$ 2,4 bilhões da economia no primeiro trimestre -US$ 1,5 bilhão pelo não-pagamento e US$ 900 milhões pela redução de exportações.
Apesar do enorme otimismo em relação à recuperação das economias norte-americana e européia, houve queda geral das exportações, mesmo descontando o fator argentino, tanto na quantidade exportada como nos preços obtidos. De outro lado, houve retenção das vendas de soja, com os agricultores aguardando melhoria das cotações ou do câmbio.
Houve também o movimento de apreciação do real, que reduziu as vantagens comparativas das exportações brasileiras. Além da manutenção de juros elevados pelo Banco Central e do aumento dos "spreads" bancários.
Mesmo em um cenário mais otimista, não se esperava o aumento do emprego ainda no primeiro semestre. Com tudo correndo bem, a recuperação se daria a partir de meados do ano.
O que vem ocorrendo até agora é o aumento da inadimplência e do desemprego, com reflexos inevitáveis na imagem do governo como um todo. Tanto assim, que as últimas pesquisas revelaram não apenas queda de Serra, mas da popularidade de FHC que, um mês atrás, estava em alta.
Por isso mesmo, não se podem analisar as pesquisas de hoje como definitivas. Todo movimento de opinião pública, tanto nos mercados como na política, são pendulares. Nos momentos de pessimismo, tende-se a potencializar todos os fatores negativos. Depois, ocorre um movimento qualquer, que deflagra a volta do pêndulo.
Nos últimos tempos, o episódio que deflagrou a reavaliação positiva do governo FHC foi a morte política dos coronéis. Aí o movimento tende a extrapolar no sentido inverso, exagerando nos feitos do governo, até levar a uma nova reversão.
A reversão atual foi fruto dos problemas da economia, às quais se somaram dois episódios politicamente desastrosos: um desastre real -a solução da crise energética, punindo os consumidores que economizaram- e uma crise superdimensionada do setor de telecomunicações, a partir de uma interferência desastrosa do Banco Central.
São esses os fatos que conspiram não só contra Serra mas contra qualquer candidatura oficial. E que podem ser revertidos, se a economia se recuperar no segundo semestre.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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