São Paulo, quarta-feira, 03 de maio de 2006

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TENSÃO ENTRE VIZINHOS

Última expropriação ocorrida no país, em 1969, produziu boom econômico na região de Santa Cruz

Nacionalização tem um forte apelo na história da Bolívia

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Evo Morales não produziu muita controvérsia no país ao tomar uma medida de força dessas proporções e enviar tropas do Exército tomarem refinarias. Nacionalizações têm enorme apelo popular no país. Os bolivianos lembram de épocas de bonança econômica provocadas pela nacionalização das companhias petrolíferas americanas Standard Oil, em 1937, e Gulf Oil, em 1969. O país já enfrentou uma guerra com o Paraguai por culpa do petróleo e um presidente foi derrubado recentemente por querer exportar gás aos Estados Unidos pelo Chile, inimigo histórico.
A última grande nacionalização aconteceu em 1969, durante a ditadura militar do general Alfredo Ovando. O próprio golpe que levou o general ao poder se deu graças a protestos em massa pela "exploração estrangeira".
Houve um confisco dos ativos da empresa americana. Houve apenas uma indenização de 78 milhões de dólares por máquinas, bombas de exploração, imóveis e veículos da companhia.
Nos anos seguintes, parte da Bolívia viveu um boom econômico. Com muito dinheiro da exploração do petróleo em caixa e também por uma alta nos preços dos minerais, o governo boliviano deu subsídios e créditos generosos -nunca totalmente saldados -, aos fazendeiros de Santa Cruz de la Sierra.
O governo priorizou a região oriental do país, com terras férteis nas mãos de poucos latifundiários, o que permitiu uma agricultura extensiva. O agronegócio levou prosperidade à região de Santa Cruz de la Sierra. De representar menos de 10% da economia boliviana até o final dos anos 60, hoje a área concentra 35% do PIB nacional.
A metade ocidental do país teve exploração agrícola por mais de três mil anos e ali se concentrou boa parte da reforma agrária boliviana. E continuou pobre.
Só que a bonança não durou muito. "A estatal YPFB foi desvirtuada, virou um cabide de empregos para cada governo e seus lucros foram tragados pelos déficits do tesouro nacional", conta o professor de economia Freddy Valverde Koch, da Universidade Católica Boliviana San Pablo, de La Paz. Em cada nova crise, a empresa era asfixiada pelo Estado.
O governo de Víctor Paz Estenssoro, em 1985, ordenou que 70% dos lucros da estatal fossem para o tesouro nacional. "A YPFB ficou tecnologicamente defasada, burocratizada, sem poder investir. Sempre que acontece isso, abre-se o setor para capitais de fora", diz Valverde.
Em 1994, no primeiro governo de Gonzalo Sánchez de Lozada, os bens da empresa foram privatizados e ela só foi mantida para assinar contratos em nome do Estado com as multinacionais.
Em setembro e outubro de 2003, vários movimentos sociais produziram enormes manifestações contra o projeto do presidente Sánchez de Lozada, já em seu segundo mandato, de exportar gás aos Estados Unidos através do Chile. Houve repressão militar, com 67 mortes e mais de 400 feridos. O presidente renunciaria pouco depois.
Em 1937, a primeira grande nacionalização afetou outra companhia petrolífera americana, a Standard Oil. Ela foi acusada de enganar o governo boliviano ao construir um oleoduto clandestino para transportar ilegalmente petróleo para campos na Argentina de propriedade da empresa.
O oleoduto foi descoberto durante a Guerra do Chaco (1932 a 1935), quando a Bolívia entrou em guerra com o Paraguai para disputar uma área que seria rica em campos petrolíferos. A Guerra do Chaco provocou quase 100 mil mortos entre bolivianos e paraguaios, e fez o país perder 200 000 quilômetros quadrados para o Paraguai. Na Bolívia, é conhecida como "Guerra do Petróleo".
A ditadura do presidente David Toro decretou a devolução das concessões à Standard Oil e confiscou todos os bens da empresa. Por pressão americana, a Bolívia pagou, anos depois, 2 milhões de dólares à Standard Oil.


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