São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

As agruras do homo oeconomicus


A figura está desaparecida há algum tempo, recolhida para lamber as vergonhas dos últimos fracassos

ENTRE AS VÍTIMAS do terremoto financeiro que sacode o planeta, procura-se o homo oeconomicus, o indivíduo racional e maximizador, personagem fundamental das teorias ditas científicas da ciência triste.
A figura está desaparecida há algum tempo, não se sabe se tragada definitivamente nas fendas da irracionalidade coletiva da finança desregrada ou se recolhida aos cuidados para lamber as vergonhas dos últimos fracassos. Observadores bastante suspeitos garantem ter visto sua sombra deambulando entre os escombros do Lehman Brothers, talvez à espreita de nova oportunidade para retomar o protagonismo nas hipóteses dos economistas.
A racionalidade individual é o (pre)conceito da corrente dominante, necessário para apoiar a "construção" do mercado como um servomecanismo capaz de conciliar os planos individuais e egoístas dos agentes. Nessa perspectiva, o mercado é um ambiente comunicativo cuja função é promover de modo mais eficiente possível a circulação da informação relevante.
Em seu novo livro sobre a crise do "subprime", Robert Shiller pretende decretar a decrepitude do indivíduo racional e maximizador. Autor de "Exuberância Irracional", o conhecido economista de Yale dispara contra a definição da sociedade econômica como a agregação de partículas utilitaristas que jamais alteram o seu comportamento na interação com as outras partículas carregadas de "racionalidade". Para Shiller, nos modelos convencionais, os indivíduos não se comunicam realmente: "Na verdade, as pessoas pensam que o mundo é governado por cérebros independentes que invariavelmente agem com grande inteligência. O que parece estar ausente da visão de muitos economistas e dos comentaristas econômicos é a compreensão de que o contágio de ideias é um fator importante nos negócios humanos".
Shiller não diz nada de novo. No final do século 19, Alfred Marshall, o mestre de Keynes, já havia sublinhado nos "Princípios de Economia Política" sua discordância em relação às teorias que se apóiam no conceito reducionista de homo oeconomicus.
"Tem-se tentado, na verdade, construir uma ciência abstrata com respeito às ações de um "homem econômico" que não esteja sob influências éticas e que procure, prudente e energicamente, obter ganhos pecuniários movido por impulsos mecânicos e egoístas. (...) Na presente obra, considera-se ação normal a esperteza para procurar os melhores mercados onde comprar e vender, ou, ainda, para descobrir a melhor ocupação para si próprio ou para seus filhos -todas essas e outras suposições semelhantes serão relativas aos membros de uma classe particular, em determinado lugar e em determinado tempo."
Marshall, ao contrário do que pretende Walras nos estudos sobre o Equilíbrio Geral, não procura nenhuma transcendência no indivíduo racional e nos mercados competitivos. Para ele, o mercado é um processo real, desenvolvido ao longo do tempo histórico e não pode ser deduzido axiomaticamente do "comportamento racional e maximizador" dos indivíduos isolados.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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