São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2010

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ANÁLISE

Quando tarde pode ser quase igual a nunca

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM LONDRES

Nem o mais cediço lugar-comum, aquele que diz "antes tarde que nunca", se aplica ao acordo para salvar a Grécia, ontem anunciado.
Claro que, se nunca chegasse o sétimo de cavalaria, montado em 110 bilhões (equivalentes, grosso modo, a 10% de tudo o que o Brasil produz de bens e serviços a cada ano), seria uma tragédia. O problema é que, ao chegar tarde, talvez não evite a tragédia.
Talvez não evite porque é tão colossal a dose de sangue exigida da sociedade grega para que o dinheiro europeu e do FMI chegue a Atenas que pode se tornar politicamente impossível de obter. Um país que neste ano vai retroceder 4%, segundo a estimativa oficial, provavelmente otimista, e mais 2,6% em 2011, está condenado a uma travessia do deserto, travessias geralmente atapetadas de cadáveres. Talvez tampouco evite o ataque dos investidores a outros países vistos como em situação fiscal e econômica débil, casos em especial de Portugal, Espanha e Irlanda.
Foi justamente para prevenir essa hipótese que finalmente saíram os fundos para a Grécia (ainda pendentes, é bom ressalvar, da aprovação de alguns Parlamentos dos 15 outros países da eurozona).
Angela Merkel, chanceler da Alemanha, país que decide essas coisas na União Europeia, deixou claro que o pacote era "a única possibilidade de assegurar a estabilidade do euro".
De fato, sem ele, a moeda estaria sob ataque contínuo. Mas, com ele, o ataque pode não ser evitado, se os especuladores decretarem que europeus e FMI não têm mais cacife para bancar a ajuda a qualquer outro país ameaçado.
O caso grego é talvez o mais formidável exemplo de um fracasso político estrepitoso. Fracasso das lideranças europeias, lerdas demais para reagir; fracasso do FMI, que há anos, antes mesmo da crise de 2007, pedia o estabelecimento de um mecanismo de "early warning" (aviso prévio de uma crise), mas não conseguiu avisar ninguém de que a Grécia estava quebrando; fracasso dos líderes do G20, as maiores economias do planeta, que desde a quebra do Lehman Brothers falam e falam em corrigir os excessos dos mercados financeiros ("refundar o capitalismo", chegou a dizer Nicolas Sarkozy, o presidente francês), mas nada fizeram até agora.
Ou, como preferiu em entrevista recente o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, "depois de bilhões de dólares gastos [no suporte ao sistema financeiro], os bancos voltaram ao lucro, voltaram a pagar bônus e, sobretudo, começam a voltar a algumas das práticas que nos levaram a isto. Nada ou quase nada mudou".


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