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ANÁLISE
Quando tarde pode ser quase igual a nunca
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM LONDRES
Nem o mais cediço lugar-comum, aquele que diz "antes tarde que nunca", se aplica ao
acordo para salvar a Grécia, ontem anunciado.
Claro que, se nunca chegasse
o sétimo de cavalaria, montado
em 110 bilhões (equivalentes,
grosso modo, a 10% de tudo o
que o Brasil produz de bens e
serviços a cada ano), seria uma
tragédia. O problema é que, ao
chegar tarde, talvez não evite a
tragédia.
Talvez não evite porque é tão
colossal a dose de sangue exigida da sociedade grega para que
o dinheiro europeu e do FMI
chegue a Atenas que pode se
tornar politicamente impossível de obter. Um país que neste
ano vai retroceder 4%, segundo
a estimativa oficial, provavelmente otimista, e mais 2,6%
em 2011, está condenado a uma
travessia do deserto, travessias
geralmente atapetadas de cadáveres. Talvez tampouco evite
o ataque dos investidores a outros países vistos como em situação fiscal e econômica débil,
casos em especial de Portugal,
Espanha e Irlanda.
Foi justamente para prevenir essa hipótese que finalmente saíram os fundos para a Grécia (ainda pendentes, é bom
ressalvar, da aprovação de alguns Parlamentos dos 15 outros países da eurozona).
Angela Merkel, chanceler da
Alemanha, país que decide essas coisas na União Europeia,
deixou claro que o pacote era "a
única possibilidade de assegurar a estabilidade do euro".
De fato, sem ele, a moeda estaria sob ataque contínuo. Mas,
com ele, o ataque pode não ser
evitado, se os especuladores
decretarem que europeus e
FMI não têm mais cacife para
bancar a ajuda a qualquer outro país ameaçado.
O caso grego é talvez o mais
formidável exemplo de um fracasso político estrepitoso. Fracasso das lideranças europeias,
lerdas demais para reagir; fracasso do FMI, que há anos, antes mesmo da crise de 2007,
pedia o estabelecimento de um
mecanismo de "early warning"
(aviso prévio de uma crise),
mas não conseguiu avisar ninguém de que a Grécia estava
quebrando; fracasso dos líderes do G20, as maiores economias do planeta, que desde a
quebra do Lehman Brothers
falam e falam em corrigir os excessos dos mercados financeiros ("refundar o capitalismo",
chegou a dizer Nicolas Sarkozy,
o presidente francês), mas nada fizeram até agora.
Ou, como preferiu em entrevista recente o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, "depois
de bilhões de dólares gastos [no
suporte ao sistema financeiro],
os bancos voltaram ao lucro,
voltaram a pagar bônus e, sobretudo, começam a voltar a algumas das práticas que nos levaram a isto. Nada ou quase nada mudou".
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