São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Por onde anda o capital no Brasil


Melhora nas finanças pode dar em salto de qualidade, mas mudança da estrutura produtiva ainda é lentíssima

O CAPITAL no Brasil é um bicho muito mais paquidérmico do que sugere a algaravia midiático-mercadista. Sob a perspectiva ansiolítica do tempo, as mudanças parecem lentas, se tanto, e dependem dos fatores mais óbvios e fundamentais, aqueles que se lêem em manuais de economia. Mas há mudança? E a continuidade ruim?
A capacidade e a oportunidade de o mercado financeiro traduzir poupança em produção ainda são escassas. Mas tome-se uma evidência anedótica. No ano do Real, 1994, os fundos de renda fixa, grosso modo aplicações elementares em dívida pública, tinham 93% do patrimônio dos fundos de investimento, contra 35% em 2007. Decerto o dinheiro se moveu para outras e mais novas aplicações conservadoras. Ações hoje têm só 9,5%, embora sua participação tenha crescido 48% desde o fundo do poço de 2001. Fundos de previdência, inexistentes no final dos 90, têm agora 8% do mercado.
Mas a poupança nos fundos de investimento, ora em R$ 1 trilhão, fica menos em dívida do governo.
O volume de emissão e distribuição secundária de ações em 2006 cresceu 121% sobre 2005. No primeiro terço deste ano, aumentou 74% sobre 2006. Isso é inédito, a Bolsa capitalizar empresas. O grosso do dinheiro das ações foi para a construção civil (24% em 2006, 30% em 2007), um setor reprimido por anos de instabilidades e juros altos, aviões, teles, alimentos, metalurgia.
O investimento produtivo estrangeiro no país volta a crescer, sem depender de privatizações. Mas representa só 2% do PIB e, agora, o investimento brasileiro no exterior sobe muito, em parte porque as empresas precisam crescer para fora, em parte porque elas fogem de câmbio, infra-estrutura e tributos desfavoráveis.
Não se observa grande mudança no padrão de investimento externo, setores derrotados ou vencedores.
Há variações cíclicas óbvias. Por exemplo, caiu a fatia dos investimentos em montadoras, mas as empresas estavam faz anos ociosas. Os setores que, sob Lula 1, se destacam da média do período do câmbio fixo ou de FHC 2 são óbvios: alimentos (o povo come mais), celulose, metalurgia, que andava "subinvestida".
Os líderes do investimento doméstico em 2006 refletem a notória demanda mundial por recursos naturais (minérios, siderurgia, celulose), uma carência (energia) e a grande novidade na pauta de inversões e exportações: petróleo, álcool. De 1995 a 2001, combustíveis eram de 1% a 2% do total de exportações, contra 10% de agora. Mas, sim, ainda somos movidos a commodities.
Afora combustíveis, em mais de dez anos a pauta de exportação mudou pouco. As últimas grandes inovações do parque produtivo ainda ecoam projetos dos anos 70/80: Petrobras, Embraer, Proálcool, Embrapa etc. O país parece incapaz de lidar com os problemas de produção e de finanças ao mesmo tempo. Ora não há inflação, as contas públicas são menos desastrosas. Mas, na produção, abriu-se o comércio, privatizou-se e só, a eficiência cresceu um tico. É muito pouco. Juros e tributos são excessivos, não há inovação tecnológica sistemática e se ignora o efeito duradouro de um real cronicamente forte. A euforia financeira obnubila a visão de problemas históricos de nossa economia periférica.

vinit@uol.com.br


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