São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Crime e castigo


Há um mito de que o brasileiro é tolerante com a corrupção, mas há sinais de que essa complacência esteja acabando

RANDY "DUKE" Cunningham, o prisioneiro 94.405-198 na penitenciária federal em Tucson, no Arizona, cumpre a pena de oito anos e quatro meses à qual foi condenado por corrupção e sonegação do Imposto de Renda. Cunningham, um influente membro da então maioria republicana na Câmara de Deputados, foi acusado de pressionar o Pentágono para contratar fornecedores que lhe haviam pago US$ 2,4 milhões em propinas.
Nos EUA, a imunidade parlamentar não cobre o crime de suborno e não foi preciso licença do Congresso para processar o deputado. Menos de um ano depois da publicação por um jornal da Califórnia de uma reportagem questionando a relação de Cunningham com um empresário, o ex-deputado já estava condenado.
Como parte da sua sentença, Cunningham foi obrigado a entregar ao governo o dinheiro que havia ganho ilegalmente, além de multas.
A prisão de Tucson é para presos de menor periculosidade, mas, nos Estados Unidos, como em outros países civilizados, não há prisão especial para os que têm curso superior. O ex-deputado, oficial da reserva da aviação naval americana com dois mestrados, passa as noites em uma cama beliche num dormitório com mais de cem outros prisioneiros.
No Brasil, a Operação Navalha produziu, mais uma vez, acusações de corrupção contra membros dos Três Poderes. Mas há uma percepção generalizada, e plenamente justificada por episódios passados, de que o corporativismo dos congressistas e um Judiciário leniente evitarão que os acusados sofram maiores conseqüências.
Desde a década de 60, os economistas analisam o crime. O que distingue a análise econômica da criminologia tradicional é o foco no princípio de que os criminosos comparam os custos e benefícios do crime.
Isso não quer dizer que fatores sociais como desigualdade ou cultura são ignorados, pois eles influenciam os custos e benefícios da atividade criminal.
Utilizando métodos estatísticos sofisticados, economistas demonstraram que a probabilidade e a severidade das punições têm um impacto importante na taxa de criminalidade. Esses trabalhos utilizam dados sobre crimes que são facilmente constatáveis, como o roubo ou homicídio, e, porque é difícil medir o nível de corrupção em um país, não existem boas evidências diretas de que um aumento na perspectiva de punição de políticos diminua o suborno. Mas a lógica indica que os corruptores e corruptos são mais sensíveis à punição do que os criminosos comuns. Afinal, um deputado ou empreiteiro tem muito mais a perder com uma longa estadia na prisão do que um ladrão de automóveis.
Há um mito de que os brasileiros são especialmente tolerantes com a corrupção, mas a reação da imprensa e do público demonstra que essa complacência está acabando. É possível que o Brasil esteja passando por uma mudança cultural semelhante à dos Estados Unidos no final do século 19, quando, depois de uma série de escândalos, os americanos começaram a exigir dos seus políticos um nível de honestidade muito mais elevado.
Mas a corrupção da classe política americana só diminuiu quando congressistas passaram leis para combater as negociatas que o Judiciário aplicou rigorosamente. Há fortes indícios de que existem políticos no Brasil que se comportaram como Duke Cunningham. Resta saber se algum deles vai acabar condenado a passar oito anos em uma prisão comum.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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