São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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Especialista em "bolhas" alerta para riscos em Bolsas

Para Robert Shiller, economista de Yale, preços das ações da Bovespa ainda estão baixos em relação ao resto do mundo

Professor diz estar "realmente preocupado" com o preço das ações na China, que avalia como um terreno fértil para distorção no valor dos ativos

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Especialista em "bolhas", o professor Robert Shiller, da Universidade Yale, alerta sobre os sinais preocupantes daquilo que Alan Greenspan, que comandou o Federal Reserve (o BC dos EUA) por 18 anos, chamou de "exuberância irracional" no preço das ações. No entanto o economista afirma que os papéis não estão tão caros quanto em 2000, época da "bolha" da internet -Shiller foi um dos poucos a prever o estouro. Ele diz que ainda vê preços baixos nos papéis brasileiros. Para ele, o "grau de investimento" pode levar a uma forte especulação imobiliária em São Paulo. Diz ainda que a China é um terreno fértil para o desenvolvimento de "bolhas". Cético, afirma que os mercados nunca aprendem totalmente com a história. E por uma razão: concluem que ela é irrelevante.  

FOLHA - As Bolsas batem recorde atrás de recorde. Estamos vendo o mesmo filme de 2000, antes do estouro da "bolha" da internet?
ROBERT SHILLER
- Os preços das ações nos EUA estão altos, mas não tão exuberantes como no final dos anos 90. Um sinal de que as coisas não estão bem é quando as pessoas começam a falar que as ações estão caras ou podem ficar muito sobrevalorizadas. E não temos isso agora. Hoje, as pessoas parecem mais seguras sobre o valor das ações -talvez mais do que deveriam.

FOLHA - Quais sinais alertam para a potencial formação de "bolha"?
SHILLER
- A maior fonte de preocupação são os preços das casas nos EUA, que podem cair. Empréstimos ruins no setor podem levar a isso. A onda de fusões e aquisições e o avanço dos fundos de "private equities" [participação fechada em empresas], que tiveram papel importante na gestão de recursos, trazem uma dose de superempolgação, o que é preocupante. Há um boom nas ações na China e na Índia. Também há especulação nos EUA e no Reino Unido. Quando essas "bolhas" explodem, podem causar uma recessão global.

FOLHA - As ações brasileiras nunca tiveram preços tão altos em relação ao lucro das empresas. Há uma "bolha" na Bovespa?
SHILLER
- A Bovespa é uma das mais bem-sucedidas Bolsas do mundo. Mas os preços no Brasil ainda estão baixos em relação ao resto do mundo. As coisas mudaram rapidamente no Brasil. E as pessoas concluem que se trata de uma nova era -o que de certa forma é. E pode alimentar uma "bolha".

FOLHA - O Brasil vende o álcool como o combustível do futuro. A receptividade internacional chegou ao ponto de elevar os preços das terras e de faltar máquinas no campo. Há uma "bolha" em formação?
SHILLER
- O Brasil tem uma vantagem, que é ser pioneiro na tecnologia. Mas não vejo uma força particularmente importante na produção, que pode ser feita em outras partes do mundo. O Brasil pode perder essa vantagem muito rapidamente se outro país investir pesado em tecnologia. Isso é algo que deve ser nutrido e agora. Mas pode ser demais, sim.

FOLHA - Os bancos chineses já figuram entre os maiores do mundo em valor de mercado. As ações estão com preços irreais na China?
SHILLER
- Estou realmente preocupado com o preço das ações na China, que é um lugar potencial para o desenvolvimento de "bolhas". Parte das razões é que os mercados emergentes tendem a enfatizar mais o setor financeiro do que o produtivo. As pessoas observam o milagre econômico e isso estimula a imaginação. Elas não têm uma expectativa clara dos preços das coisas. Alan Greenspan fez um favor para a China alertando sobre isso.

FOLHA - O aumento do imposto chinês na Bolsa é um bom caminho para evitar o superaquecimento?
SHILLER
- Tenho dúvida. Mais eficientes são os aumentos dos juros, o que a China está fazendo. O melhor é desenvolver o mercado. E isso ela pode fazer. Pode permitir operações curtas [como "day trade"], negociar índices futuros e permitir que os chineses invistam em ações em outras partes do mundo -eles não têm onde investir.

FOLHA - O fluxo de dinheiro para os emergentes veio para ficar? Moedas como o real só tendem a subir?
SHILLER
- Não vejo uma reversão tão cedo [da alta do real]. Ela se deve ao boom de commodities e à impressão positiva da economia. Mas tudo pode mudar. No Brasil, se os juros seguem altos é porque as pessoas continuam preocupadas com o real. [O contrário] Seria muito bom para ser verdade.

FOLHA - O "grau de investimento" deve baixar os juros no Brasil? Quais setores podem ter um superestímulo a ponto de criar uma "bolha"?
SHILLER
- O FMI afirma que o crédito barato é um dos fatores que levam ao aumento nos preços dos imóveis. E isso começa a acontecer no Brasil. Conforme fica mais fácil emprestar, as pessoas podem elevar os preços das casas. O preço das casas não subiu no Brasil como aconteceu em outros países.

FOLHA - Como seria essa "bolha"?
SHILLER
- Os preços das casas sempre subiram mais por conta dos custos da construção do que da localização. Nos EUA, isso está mudando. De acordo com um estudo do Federal Reserve [o BC dos EUA], o preço do terreno responde por 50% do custo de um imóvel. Há poucos anos, era só 25%. De alguma forma, estar próximo da cidade é importante. No Brasil, a riqueza está toda em São Paulo. A cidade pode ficar muito cara.

FOLHA - Os mercados aprenderam com as crises do México e da Ásia?
SHILLER
- Aprendemos lições com o passado. Após o "crash" de 1929, não houve um novo boom nos mercados por um longo período. As pessoas pararam de apostar todo o dinheiro num mesmo ativo. Mas elas nunca aprendem tudo. Não é que simplesmente esqueçam a história, mas concluem que algumas partes dela são irrelevantes. Infelizmente, não tenho uma cura para "bolhas" -elas vêm e vão por causa da psicologia humana.

FOLHA - Sempre haverá "bolhas"?
SHILLER
- Não sei. O que verificamos é que virtualmente não existiram "bolhas" até o século 16. A primeira foi a da tulipa, na Holanda, no século 16. E a Holanda foi o primeiro país que teve uma imprensa livre. A "bolha" é uma epidemia social que precisa de comunicação entre as pessoas para se propagar. Com a internet, ficou e ficará ainda pior. Por outro lado, a informação deixou o mundo mais parecido e faz com que os mercados evoluam juntos, diminuindo o efeito devastador quando as "bolhas" estouram.

FOLHA - Escândalos de corrupção podem prejudicar as ações no Brasil?
SHILLER
- Os escândalos têm o potencial de prejudicar o mercado. Isso aconteceu na Ásia antes da crise. Os escândalos no Brasil não parecem preocupar os investidores. Lula foi reeleito e os escândalos não o envolvem diretamente. O impeachment de Collor [em 1992] mostrou que o país está fazendo as coisas certas.


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