São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

"Blindagem" da economia

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Entre as enormidades que circulam na praça, faz boa figura a retórica oficial e oficiosa que celebra a "blindagem" da economia brasileira. A comprovação do fenômeno, segundo afirmam os ideólogos de plantão, é a calmaria reinante nos mercados financeiros, mormente nos cambiais, enquanto terremotos e vendavais avassalam os territórios da política. Escoltado por Murilo Portugal e Affonso Bevilácqua, o ministro Palocci discorreu sobre o tema em entrevista na semana passada.
Para não discrepar do clima da troca de idéias entre imprensa e governo, limitarei meus comentários aos lugares-comuns que assolam o debate econômico no país.
É obrigatório repetir: no Brasil dos anos 90, a semeadura de "novas" idéias econômicas pretendia favorecer a maior integração da economia à chamada globalização. Produziu uma colheita mesquinha: déficits em transações correntes, explosão da dívida pública, crescimento raquítico, alto endividamento externo e crise cambial.
A safra de resultados perversos foi adubada pelo real sobrevalorizado e por juros estratosféricos. Tais elementos afugentaram o investimento direto nacional e forâneo nos setores sujeitos à concorrência externa, estimularam o endividamento em moeda estrangeira e erigiram um monumento à burrice econômica, a formidável dívida publica, construída num período de déficits primários esporádicos e desprezíveis.
Desde 1995, depois da crise mexicana, a taxa de juros manteve-se num patamar muito elevado para sustentar o financiamento dos déficits em transações correntes e a acumulação de reservas. Foram esses fatores que alimentaram seguidamente a dívida pública mobiliária, e não os gastos excessivos do governo, como querem alguns. Entre 1992 e 1998, segundo o BC, o governo obteve superávit no conjunto de suas despesas, incluída a Previdência e excetuados os juros.
O conjunto da obra exasperou as fragilidades externa e financeira da economia. É indiscutível que, depois da desvalorização do real, sobretudo nos últimos dois anos, o Brasil foi capaz de promover uma formidável redução da chamada vulnerabilidade externa, ao gerar expressivos superávits comerciais e saldos positivos em conta corrente e permitir a redução do endividamento privado em moeda estrangeira. Mas a chamada "blindagem" da economia só será demonstrada quando o BC recuar da política monetária que sustenta os juros reais estapafúrdios, responsáveis por mais uma aterrissagem de galinhas no terreiro do nosso crescimento.
Qualquer analista sério e informado, daqui e de fora, sabe que a economia do planeta se move em alta velocidade, impulsionada por uma expansão extraordinária de crédito barato. A bolha de liquidez universal promove, nos países centrais, a disparada dos preços dos bônus, dos imóveis. Na periferia, os países "premiados" com políticas monetárias tolas o bastante para perpetrar a façanha de manter taxas de juros reais de 14% "sofrem" os efeitos da valorização irresponsável de suas moedas.
No último filme de Woody Allen, "Melinda", Melinda, a personagem-título, encena a mesma história -ora como comédia, ora como tragédia. A política econômica brasileira é mais original: produz uma comédia dirigida por Zé do Caixão, com Freddy Krueger, aquele primo da senhora Anne Krueger, no papel principal.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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