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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
"Blindagem" da economia
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Entre as enormidades que
circulam na praça, faz boa figura a retórica oficial e oficiosa
que celebra a "blindagem" da economia brasileira. A comprovação
do fenômeno, segundo afirmam os
ideólogos de plantão, é a calmaria
reinante nos mercados financeiros, mormente nos cambiais, enquanto terremotos e vendavais
avassalam os territórios da política. Escoltado por Murilo Portugal
e Affonso Bevilácqua, o ministro
Palocci discorreu sobre o tema em
entrevista na semana passada.
Para não discrepar do clima da
troca de idéias entre imprensa e
governo, limitarei meus comentários aos lugares-comuns que assolam o debate econômico no país.
É obrigatório repetir: no Brasil
dos anos 90, a semeadura de "novas" idéias econômicas pretendia
favorecer a maior integração da
economia à chamada globalização. Produziu uma colheita mesquinha: déficits em transações correntes, explosão da dívida pública,
crescimento raquítico, alto endividamento externo e crise cambial.
A safra de resultados perversos
foi adubada pelo real sobrevalorizado e por juros estratosféricos.
Tais elementos afugentaram o investimento direto nacional e forâneo nos setores sujeitos à concorrência externa, estimularam o endividamento em moeda estrangeira e erigiram um monumento à
burrice econômica, a formidável
dívida publica, construída num
período de déficits primários esporádicos e desprezíveis.
Desde 1995, depois da crise mexicana, a taxa de juros manteve-se
num patamar muito elevado para
sustentar o financiamento dos déficits em transações correntes e a
acumulação de reservas. Foram
esses fatores que alimentaram seguidamente a dívida pública mobiliária, e não os gastos excessivos
do governo, como querem alguns.
Entre 1992 e 1998, segundo o BC, o
governo obteve superávit no conjunto de suas despesas, incluída a
Previdência e excetuados os juros.
O conjunto da obra exasperou
as fragilidades externa e financeira da economia. É indiscutível
que, depois da desvalorização do
real, sobretudo nos últimos dois
anos, o Brasil foi capaz de promover uma formidável redução da
chamada vulnerabilidade externa, ao gerar expressivos superávits
comerciais e saldos positivos em
conta corrente e permitir a redução do endividamento privado em
moeda estrangeira. Mas a chamada "blindagem" da economia só
será demonstrada quando o BC
recuar da política monetária que
sustenta os juros reais estapafúrdios, responsáveis por mais uma
aterrissagem de galinhas no terreiro do nosso crescimento.
Qualquer analista sério e informado, daqui e de fora, sabe que a
economia do planeta se move em
alta velocidade, impulsionada por
uma expansão extraordinária de
crédito barato. A bolha de liquidez
universal promove, nos países centrais, a disparada dos preços dos
bônus, dos imóveis. Na periferia,
os países "premiados" com políticas monetárias tolas o bastante
para perpetrar a façanha de manter taxas de juros reais de 14% "sofrem" os efeitos da valorização irresponsável de suas moedas.
No último filme de Woody Allen,
"Melinda", Melinda, a personagem-título, encena a mesma história -ora como comédia, ora como tragédia. A política econômica
brasileira é mais original: produz
uma comédia dirigida por Zé do
Caixão, com Freddy Krueger,
aquele primo da senhora Anne
Krueger, no papel principal.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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