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Mark Twain e a corrupção
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
O romance "The Gilded Age:
A Tale of Today" descreve
uma sociedade americana que, a
despeito da sua aparência de
grande promessa e riqueza, é contaminada por corrupção e escândalo. Não é um dos melhores livros
de Mark Twain, mas a expressão
"Gilded Age", que pode ser talvez
traduzida por "A Idade Dourada"
-o dourado refere-se ao "pintado
a ouro", e não ao ouro propriamente dito-, foi apropriada por
historiadores para descrever toda
uma época da história dos EUA,
que vai aproximadamente de 1865
até o fim do século 19.
Esse período é caracterizado pela expansão do poder dos governos
estaduais e federal, que distribuíram terras, subsidiaram ferrovias,
protegeram a indústria então nascente e criaram barreiras à imigração. Alguns observadores citam o protecionismo e a "política
industrial" americana de então
como exemplos para o Brasil
atual, mas a análise econômica
não suporta essa tese. O setor ferroviário foi o mais beneficiado por
subsídios e distribuição gratuita
de terras, mas o trabalho do professor de Chicago e Prêmio Nobel
de economia Robert Fogel mostrou que o impacto das ferrovias
no crescimento americano foi
muito menor do que os historiadores tradicionais imaginavam.
Algumas medidas tomadas na
segunda metade do século 19, como a democratização da posse da
terra, tiveram um impacto social
positivo e contribuíram para o
crescimento, mas a verdade é que
os EUA cresceram menos durante
a "Gilded Age" do que em períodos posteriores, quando tarifas foram cortadas, subsídios desapareceram e a lei antitruste diminuiu a
capacidade das grandes companhias de manipular preços, o governo ou o Judiciário.
Não é coincidência que grandes
fortunas foram criadas e que a
corrupção era generalizada durante a "Gilded Age". Os Estados
Unidos não eram mais o país descrito por Tocqueville em 1841,
quando a desigualdade era pequena, e a corrupção, quase ausente.
Um episódio emblemático da época envolveu o Credit Mobilier, um
empreendimento criado para
construir a ferrovia transcontinental Union Pacific. O Congresso
americano aprovou subsídios para a Union Pacific, e o Credit Mobilier cobrava o dobro do custo da
construção. Em 1872, o jornal
"New York Sun" revelou o esquema de superfaturamento e que
membros da Câmara dos Deputados possuíam ações do Credit Mobilier. Sob pressão do público, foi
criada uma CPI, que acabou acusando vários políticos, inclusive o
vice-presidente dos EUA e ex-presidente da Câmara Schuyler Colfax. A CPI recomendou a cassação
de um deputado que era simultaneamente conselheiro do Credit
Mobilier, mas o plenário se contentou com um voto de censura.
Afinal, o deputado era membro da
maioria republicana.
Os escândalos da "Gilded Age"
acabaram causando uma forte
reação. Jornalistas e intelectuais
denunciaram a corrupção existente no eixo políticos-grandes empresas. Por sua vez, esses artigos e
livros indignaram a parcela cada
vez maior do público americano
que era razoavelmente educada,
aumentando o apoio para os políticos progressistas que defenderam
a passagem de leis antitruste, a regulamentação dos monopólios
naturais, menores tarifas de importação, a criação do Imposto de
Renda e combateram as negociatas entre políticos e empresários. O
suborno não desapareceu, mas os
Estados Unidos de (Ted) Roosevelt
e Wilson foram muito menos corruptos do que o país presidido por
Ulysses Grant.
Há muitas diferenças entre os
EUA do século 19 e o Brasil de hoje, mas o sucesso daquela nação
em reformar as suas instituições e
a cultura política mostra que a
nossa realidade atual não é a única possível.
José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA) escreve quinzenalmente
aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jascheinkman@hotmail.com
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