São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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LUÍS NASSIF

O visionário Friedrich List

Na história do pensamento econômico brasileiro, há poucas referências ao economista alemão Georg Friedrich List (1789-1846). Antonio Barros de Castro, que já leu de tudo, não se recorda de nenhuma influência maior de List nos economistas brasileiros. Celso Furtado o cita de passagem em um de seus livros de memória, mencionando sua visão sistêmica de desenvolvimento.
Sua obra máxima, "Sistema Nacional de Economia Política", tem uma edição de 1983 da coleção "Os Economistas", da Editora Abril, com um prefácio muito bom do ex-ministro Cristovam Buarque.
Depois de ter batalhado pela unificação dos Estados alemães, List se exilou nos Estados Unidos e assistiu, ao vivo e em cores, à comprovação de suas teses. Em 30 de julho de 1827, participou ativamente da Convenção Nacional dos Protecionistas de Harrisburg, que faziam a defesa da produção manufatureira americana contra a importação indiscriminada.
Em 1792, o então secretário do Tesouro norte-americano, Hamilton, apresentou o "Report of Manufactures", o primeiro projeto de defesa das manufaturas norte-americanas, em reação ao protecionismo que havia na Europa. As tarifas iniciais foram insuficientes. Mas em 1808, com a guerra explodindo, o comércio com a Europa foi interrompido. Em um ano, o número de indústrias têxteis saltou de 8.000 para 31 mil. Quando o livre comércio foi retomado, veio de novo a crise.
Eram essas evidências que List ia buscar para desenvolver os princípios de sua economia política. List se insurgia contra os princípios da teoria das vantagens comparativas -segundo as quais cada país deveria se concentrar em sua vocação natural. Previa que seus netos viriam os EUA se transformarem na maior nação do mundo, justamente por não ter seguido esses princípios. Lembrava que Adam Smith havia previsto que a vocação dos EUA era eminentemente agrícola, como a da Polônia.
O "insight" de List foi que o livre comércio entre duas nações civilizadas só poderia ser mutuamente benéfico se ambas estivessem em um mesmo grau de desenvolvimento industrial. Ao contrário, qualquer nação que estivesse atrasada em relação à outra deveria, antes, aparelhar-se para entrar na livre concorrência com nações mais desenvolvidas.
É clássica sua análise do Tratado de Methuen (em 1703), da Inglaterra com Portugal, que ajudou a financiar a revolução industrial inglesa. Demonstra que, à época, os ingleses haviam constatado que a melhor forma de se desenvolver era exportar produtos manufaturados e importar matérias-primas. Com o acordo com Portugal, abre algumas vantagens para os vinhos portugueses. Em contrapartida, acumula saldos comerciais volumosos, que lhes permite levar todo o ouro e a prata de Portugal, ir até a Índia, adquirir manufaturas do país. Depois, revende-las para toda a Europa (mas não no seu mercado interno) e comprar matérias-primas.
Essa posição da Inglaterra foi insensata?, indagava List. De acordo com os princípios de Adam Smith e da Teoria dos Valores de J.B.Say, sim. Na prática, transformou-a na maior potência do seu tempo, isso porque não estava interessada simplesmente em adquirir artigos manufaturados de baixo custo e perecíveis, mas adquirir a "força de produção".
Não era um fanático pelo protecionismo. Diferenciava estratégias para cada estágio de desenvolvimento. Constatava que o comércio era fundamental para a modernização de um país, mas que, se ele não tivesse uma base interna forte, com condições que poderiam, hoje em dia, ser chamadas de competitividade sistêmica, o capital e o comércio tenderiam a fugir para centros mais adequados. Daí a importância da segurança jurídica, da democracia, de uma infra-estrutura adequada, do controle das rotas comerciais, da visão geopolítica. E sua crítica insistente aos cabeças de planilha da época, prenhes de citações eruditas, sem um pingo de capacidade de analisar os fatos reais.
Talvez a diferença de destino entre Coréia do Sul e o Brasil, nos últimos 40 anos, esteja em algum grande economista sul-coreano que leu List.
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