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BRASIL PROFUNDO
Trabalhadores recebem R$ 20 para extrair argila e produzir mil tijolos e só conseguem fabricar 500 por dia
"Mar de lama" sustenta 25 mil no Piauí
FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, NO PIAUÍ
Um "mar de lama" sustenta cerca de 25 mil pessoas no Piauí. São
homens, mulheres e crianças que
dependem da atividade dos 5.000
trabalhadores das olarias artesanais, que funcionam no Estado às
margens de rios.
Os oleiros, como são chamados
esses "homens da lama", passam
em média 12 horas por dia, seis
dias por semana afundados no
barro, pés descalços, no fundo de
poços frios com até quatro metros
de profundidade.
Eles cavam o chão e, com as
mãos, retiram a argila e moldam
tijolos, que secam ao sol. Para
produzir mil peças, recebem R$
20. Cada trabalhador só consegue
fazer 500 tijolos por dia. Depois de
queimado em fornos de lenha, o
produto chega ao consumidor
por até R$ 120 o milheiro.
Com uma renda mensal de R$
240, os oleiros piauienses teriam
que trabalhar dez anos e quatro
meses para receber o equivalente
a um mensalão de R$ 30 mil.
"Trabalhar na lama é um serviço duro, mas honesto", diz Francisco das Chagas da Silva, 53. Herdeiro da profissão exercida pelo
pai, ele classifica as denúncias do
mar de lama político brasileiro
como "uma escandice [um escândalo]" que viu na TV.
Silva, que nunca fez outra coisa
na vida além de extrair barro e
confeccionar tijolos, afirma que
em 40 anos de trabalho nada conquistou. "Sempre fiz isso, e o que
consegui até agora foi perder a
saúde e ganhar a velhice."
Olhos fixos na enxada e no
chão, o oleiro reclama: "Parece
que, em vez de melhorar o país,
querem piorar. Não entendo como é que tem gente assim, que é
rica e ainda fica roubando os outros", afirma o trabalhador, que é
casado e tem três filhos -o mais
velho com 11 anos.
Lama no interior
Foi com a idade do filho de Silva
que José Sales, 35, começou a
aprender, também com o pai, as
primeiras lições de como tirar
sustento do lamaçal, na zona rural
de Esperantina (a 183 km de Teresina). Sales chegou a cursar até a
7ª série, mas nunca conseguiu um
emprego formal.
Ele sai de casa, onde mora com a
mulher e os filhos Liana, 4, e José,
6, às 5h. Às vezes, volta para almoçar. Muitas vezes, come ali mesmo, sentado em um tronco, na
clareira aberta a fogo.
Sales nunca ouviu falar do escândalo dos Correios, de CPI ou
de mensalão. Mas tem uma visão
crítica, criada a partir de sua própria condição de vida. "Os homens da lei não dão jeito, então a
gente tem que viver assim."
O oleiro trabalha com cerca de
15 pessoas em uma área de extração de aproximadamente 5.000
metros quadrados. A paisagem
do local lembra um garimpo. Nos
buracos alagados, homens enlameados cavam a terra.
Com as mãos, eles fazem bolas
de argila, que são jogadas em gabaritos de madeira. O barro é alisado, molhado e alisado de novo.
Três tijolos ficam prontos por vez.
Enquanto secam no chão, os trabalhadores voltam para a vala e
começam tudo de novo.
Medo da chuva
Sem uma expectativa de melhora, os rumos da política nacional e
da economia não os preocupam.
O risco de doença também não os
incomoda. O grande temor dos
"homens da lama" é a chuva, que
dissolve seu maior patrimônio, os
tijolos.
Para evitar prejuízos nessa época de transição do período de
chuva para o de estiagem, eles fazem pilhas e as cobrem com folhas de babaçu, uma palmeira
muito comum na região.
Quando as chuvas cessarem, em
agosto, o número de homens em
busca de sobrevivência no "mar
de lama" piauiense vai aumentar.
No interior do Estado, eles virão
principalmente das lavouras, que
não terão condições de produzir
durante a seca.
Em Teresina, eles serão os mesmos que há anos confeccionam tijolos durante a seca e erguem paredes e muros na cidade nos períodos chuvosos.
"Com esse desemprego, quem
tem sorte trabalha como ajudante
de pedreiro, no inverno", diz Silva
-o oleiro que viu a "escandice"
dos políticos na TV. "Quem não
tem [sorte] vai catar lixo."
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