São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Inflação e juros


O desafio é domar a inflação e seus efeitos sobre os pobres sem prejudicar o dinamismo econômico e o investimento

A INFLAÇÃO é o tema do momento. Ontem, a Folha publicou com destaque os resultados de pesquisa do Dieese que mostram o rápido aumento do custo da cesta básica em 16 capitais. Nos 12 meses até junho, o aumento da cesta variou de 27% em Porto Alegre a 52% em Natal.
As expectativas de inflação continuam subindo. Segundo o último levantamento semanal do BC, as estimativas de mercado situam a inflação medida pelo IPCA em 6,3% em 2008, quase batendo no teto da meta oficial. A inflação esperada para 2008 vem aumentando há 14 semanas consecutivas. O que deve ser feito? Como se sabe, a aceleração da inflação é um fenômeno mundial. Mas não podemos, é claro, contar com iniciativas de âmbito internacional. Haverá discursos, documentos, resoluções, mas de prático pouco se fará em benefício de países de renda média como o Brasil.
O governo brasileiro terá de agir por conta própria e já começou a fazê-lo. O risco, entretanto, é que a sua reação venha a se basear demais na alta da taxa de juros, em prejuízo de outros objetivos da política econômica.
Há diversos motivos para não carregar a mão no aumento dos juros. Primeiro, o Brasil já detém, praticamente sem contestação, o título de campeão mundial da usura. Continua a ser um paraíso para rentistas e especuladores.
Segundo, se a alta dos juros atingir os investimentos das empresas que não têm acesso a linhas de crédito favorecidas, estaremos comprometendo não apenas o crescimento presente como também o crescimento futuro da economia. Quanto maior o investimento hoje, maior tende a ser, no futuro, a taxa de expansão do PIB compatível com o controle da inflação.
Terceiro, a alta dos juros básicos atinge o próprio governo. A dívida pública é preponderantemente interna. Em termos líquidos, a dívida externa do setor público é negativa. Grande parte da dívida interna está indexada à taxa Selic ou tem prazo médio muito curto.
Por último, quanto mais altos forem os juros no Brasil, maior será a tendência à sobrevalorização cambial. O estrago nas contas externas já é considerável, e o governo não deve permitir que a deterioração continue indefinidamente. O Banco Central projeta um déficit do balanço de pagamentos em conta corrente de US$ 21 bilhões em 2008. O levantamento de mercado acima referido indica projeções medianas de US$ 23 bilhões para o déficit em conta corrente em 2008 e de US$ 31,9 bilhões em 2009.
Na situação atual, não temos nem a compensação de um efeito favorável da valorização cambial sobre as contas públicas. Como o setor público é credor líquido em moeda estrangeira, o fortalecimento do real contribui para aumentar a dívida do setor público. No período janeiro-maio, por exemplo, os juros nominais e a valorização cambial contribuíram para aumentar a razão entre a dívida pública líquida e o PIB em 2,5 pontos percentuais e em 0,7 ponto percentual, respectivamente.
O grande desafio é domar a inflação e seus efeitos sobre os pobres sem prejudicar demais o dinamismo da economia e os investimentos. Alguma redução no ritmo de expansão do PIB parece inevitável.
A economia vinha crescendo em torno de 6% até o primeiro trimestre deste ano. Não será surpresa se a taxa de crescimento diminuir para a faixa de 4,5% a 5%. Mas a queda será maior se houver uma reação radical da política monetária.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Sem atuação do governo, Varig não teria sobrevivido, diz ex-dirigente da Infraero
Próximo Texto: Taxa de embarque de vôos para a AL deve ser reduzida
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.