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ANÁLISE
Problema é pior do que pensamos
MOHAMED EL-ERIAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
E SE o índice de desemprego nos Estados Unidos superasse os 10% e
se mantivesse nesse patamar
por um período prolongado?
Essa é uma pergunta que não
vem sendo proposta com a frequência devida, mesmo que
acarrete outra anomalia histórica que complicará ainda mais
a formulação de políticas e
abrirá a questão à interferência
política mais intensa.
O índice de desemprego é
tradicionalmente caracterizado como um indicador defasado, e por isso seu poder de previsão não é considerado alto. O
desemprego é um reflexo de
decisões tomadas anteriormente no ciclo, de modo que
ele sempre está para trás das
realidades concretas, como dispõe a sabedoria tradicional.
Essa sabedoria tradicional é
válida na maior parte do tempo,
mas não sempre. Existem raras
ocasiões, como o período em
que vivemos, nas quais devemos pensar no índice de desemprego como mais que um
indicador defasado; ele tem o
potencial de influenciar comportamentos e perspectivas
econômicos futuros.
A interpretação mais ampla
que vale para a situação atual se
sustenta em dois fatores: a velocidade e a dimensão na recente alta do desemprego; e a
probabilidade de que o índice
venha a persistir em um patamar elevado por um período
prolongado. Como resultado, o
índice de desemprego perturbará cada vez mais uma economia que, até o momento, vem
sendo influenciada principalmente por grandes deslocamentos no sistema financeiro.
Em apenas 16 meses, o índice
de desemprego nos Estados
Unidos dobrou, de 4,8% para
9,5%, uma alta notável nos termos de qualquer série estatística moderna. Também é provável que os 9,5% na verdade sejam uma subestimativa quanto
à dimensão da deterioração no
mercado de trabalho. Basta
contemplar o número crescente de empresas que estão impondo licenças não remuneradas a seus funcionários.
Enquanto isso, depois de
anos de declínio, o índice de
participação na força de trabalho começou a apresentar sinais de alta, porque as pessoas
estão postergando suas aposentadorias, e as dificuldades
econômicas das famílias forçam um segundo membro de
muitos domicílios a procurar o
mercado de trabalho.
E, mesmo depois da alta recente, é provável que o índice
de desemprego continue a subir, atingindo os 10% no final
deste ano e potencialmente ultrapassando essa marca. De fato, é possível que o desemprego
não atinja seu pico antes de
2011, quando pode estar na faixa dos 10,5% a 11%; e é provável
que se mantenha elevado por
algum tempo, dada a transição
pouco entusiástica da reposição de estoques para o consumo, investimento e exportação.
Para além da onda de contratações no setor público alimentada pelo pacote de estímulo
fiscal, a economia dos Estados
Unidos depois da bolha enfrenta condições adversas à criação
de empregos. Reestruturar
uma economia que passou a depender demais das finanças e
do endividamento é um processo demorado. Enquanto isso, as empresas aproveitarão o
tempo para demitir os trabalhadores menos produtivos. Isso perturbará o consumo, que
já está oscilando devido a um
choque negativo de patrimônio
de grande magnitude, causado
pelo declínio abissal nos preços
das casas. O consumo será ainda mais solapado pela incerteza
quanto a salários.
A possibilidade de um desemprego elevado e persistente
não é, por enquanto, parte das
deliberações convencionais.
Em lugar disso, o domínio persistente de uma atitude de
"brava reversão" conduz a excessivo otimismo quanto ao
momento em que o desemprego deixará de subir, e em quanto tempo ele retornará ao nível
de 5% compatível com a chamada taxa Nairu (o índice de
desemprego que resulta em
aceleração zero da inflação).
Os Estados Unidos estão
diante de possibilidades materiais tanto de uma Nairu mais
elevada, da ordem de 7%, quanto de uma convergência muito
mais lenta entre o desemprego
real e esse novo nível. A mudança de paradigma complicará o desafio já complexo que as
autoridades precisam enfrentar. Elas terão de recalibrar os
pacotes de estímulo para reconhecer que o estímulo "temporário e dirigido" será menos poderoso que o previsto.
A política complicará a situação econômica. A combinação
entre um desemprego persistentemente elevado e uma dívida pública crescente não será
agradável. O resto do mundo
também deveria se preocupar.
Níveis de desemprego persistentemente elevados alimentam tendências protecionistas.
Pense nisso como uma ilustração do fato de que a economia
dos EUA está percorrendo uma
estrada pedregosa em direção a
uma nova normalidade. Quanto mais tempo essa realidade
for negada, maior será o custo
incorrido para restaurar a estabilidade econômica.
MOHAMED EL-ERIAN é presidente-executivo e
copresidente de investimentos da Pimco.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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