São Paulo, sexta-feira, 03 de julho de 2009

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ANÁLISE

Problema é pior do que pensamos

MOHAMED EL-ERIAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

E SE o índice de desemprego nos Estados Unidos superasse os 10% e se mantivesse nesse patamar por um período prolongado? Essa é uma pergunta que não vem sendo proposta com a frequência devida, mesmo que acarrete outra anomalia histórica que complicará ainda mais a formulação de políticas e abrirá a questão à interferência política mais intensa.
O índice de desemprego é tradicionalmente caracterizado como um indicador defasado, e por isso seu poder de previsão não é considerado alto. O desemprego é um reflexo de decisões tomadas anteriormente no ciclo, de modo que ele sempre está para trás das realidades concretas, como dispõe a sabedoria tradicional. Essa sabedoria tradicional é válida na maior parte do tempo, mas não sempre. Existem raras ocasiões, como o período em que vivemos, nas quais devemos pensar no índice de desemprego como mais que um indicador defasado; ele tem o potencial de influenciar comportamentos e perspectivas econômicos futuros.
A interpretação mais ampla que vale para a situação atual se sustenta em dois fatores: a velocidade e a dimensão na recente alta do desemprego; e a probabilidade de que o índice venha a persistir em um patamar elevado por um período prolongado. Como resultado, o índice de desemprego perturbará cada vez mais uma economia que, até o momento, vem sendo influenciada principalmente por grandes deslocamentos no sistema financeiro.
Em apenas 16 meses, o índice de desemprego nos Estados Unidos dobrou, de 4,8% para 9,5%, uma alta notável nos termos de qualquer série estatística moderna. Também é provável que os 9,5% na verdade sejam uma subestimativa quanto à dimensão da deterioração no mercado de trabalho. Basta contemplar o número crescente de empresas que estão impondo licenças não remuneradas a seus funcionários.
Enquanto isso, depois de anos de declínio, o índice de participação na força de trabalho começou a apresentar sinais de alta, porque as pessoas estão postergando suas aposentadorias, e as dificuldades econômicas das famílias forçam um segundo membro de muitos domicílios a procurar o mercado de trabalho.
E, mesmo depois da alta recente, é provável que o índice de desemprego continue a subir, atingindo os 10% no final deste ano e potencialmente ultrapassando essa marca. De fato, é possível que o desemprego não atinja seu pico antes de 2011, quando pode estar na faixa dos 10,5% a 11%; e é provável que se mantenha elevado por algum tempo, dada a transição pouco entusiástica da reposição de estoques para o consumo, investimento e exportação.
Para além da onda de contratações no setor público alimentada pelo pacote de estímulo fiscal, a economia dos Estados Unidos depois da bolha enfrenta condições adversas à criação de empregos. Reestruturar uma economia que passou a depender demais das finanças e do endividamento é um processo demorado. Enquanto isso, as empresas aproveitarão o tempo para demitir os trabalhadores menos produtivos. Isso perturbará o consumo, que já está oscilando devido a um choque negativo de patrimônio de grande magnitude, causado pelo declínio abissal nos preços das casas. O consumo será ainda mais solapado pela incerteza quanto a salários.
A possibilidade de um desemprego elevado e persistente não é, por enquanto, parte das deliberações convencionais. Em lugar disso, o domínio persistente de uma atitude de "brava reversão" conduz a excessivo otimismo quanto ao momento em que o desemprego deixará de subir, e em quanto tempo ele retornará ao nível de 5% compatível com a chamada taxa Nairu (o índice de desemprego que resulta em aceleração zero da inflação).
Os Estados Unidos estão diante de possibilidades materiais tanto de uma Nairu mais elevada, da ordem de 7%, quanto de uma convergência muito mais lenta entre o desemprego real e esse novo nível. A mudança de paradigma complicará o desafio já complexo que as autoridades precisam enfrentar. Elas terão de recalibrar os pacotes de estímulo para reconhecer que o estímulo "temporário e dirigido" será menos poderoso que o previsto. A política complicará a situação econômica. A combinação entre um desemprego persistentemente elevado e uma dívida pública crescente não será agradável. O resto do mundo também deveria se preocupar.
Níveis de desemprego persistentemente elevados alimentam tendências protecionistas. Pense nisso como uma ilustração do fato de que a economia dos EUA está percorrendo uma estrada pedregosa em direção a uma nova normalidade. Quanto mais tempo essa realidade for negada, maior será o custo incorrido para restaurar a estabilidade econômica.
MOHAMED EL-ERIAN é presidente-executivo e copresidente de investimentos da Pimco.

Tradução de PAULO MIGLIACCI




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