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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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ANÁLISE

Fundos de pensão dos EUA estão à beira do colapso

MARY WILLIAMS WALSH
DO "NEW YORK TIMES"

O governo dos EUA deu início a uma campanha calibrada para atrair atenção aos planos de pensão corporativos, que estariam a caminho do colapso. Há propostas que poderiam mudar fundamentalmente esse setor com patrimônio de US$ 1,6 trilhão, alterando a maneira pela qual o dinheiro das aposentadorias é depositado e investido.
O controlador geral das finanças do governo colocou a Pension Benefit Guaranty Corporation, a agência governamental que garante as pensões, em uma lista de operações governamentais de "alto risco". Elaine Chao, a secretária do Trabalho, declarou que o sistema, criado décadas atrás, "está, infelizmente, em risco".
O secretário do Tesouro John Snow, ex-presidente de companhia ferroviária responsável por um fundo de US$ 1,3 bilhão, advertiu recentemente que um colapso financeiro semelhante ao do setor de poupança e empréstimos imobiliários, em 1989, poderia estar para acontecer.
Steven Kandarian, diretor-executivo da Pension Benefit Guaranty Corporation, fez um discurso no qual previu uma possível "transferência geral de receita". Embora os funcionários do governo desejem sublinhar os perigos para os benefícios de aposentadoria com os quais milhões de americanos contam, eles não desejam apavorar os consumidores, perturbar os mercados financeiros ou irritar as empresas que já colocam bilhões no sistema.
Mas alguns analistas, lendo as entrelinhas, dizem acreditar que os funcionários não estejam apenas conclamando as empresas a investir mais em seus debilitados fundos de pensão -uma perspectiva dolorosa quando há um aperto de caixa-, mas também indicando um remédio mais radical, o de encorajar os fundos a reduzir sua pesada dependência dos mercados de ações.
Em questão estão as pensões de benefícios definidos, aquelas sob as quais empregadores contribuem ao longo dos anos para que seus funcionários recebam um estipêndio mensal predeterminado, quando se aposentarem, até a morte. Hoje, cerca de 44 milhões de trabalhadores do setor privado e aposentados estão cobertos por planos desse tipo. Três anos de forças negativas no mercado reduziram em bilhões de dólares o valor desses fundos, causando a concordata de alguns fundos e deixando os restantes cerca de US$ 350 bilhões abaixo do montante necessário a cumprir as promessas aos trabalhadores.

Fuga do risco
Até recentemente, a idéia de que o edifício das pensões fora erigido sobre uma base defeituosa só era defendida por um pequeno número de especialistas financeiros, e era considerada heresia por quase todos os demais. Mas, depois de alguns anos de queda nas Bolsas, vem ganhando prestígio o argumento de que os administradores de fundos deveriam, em lugar de recorrer às ações como vêm fazendo nos últimos anos, aplicar em investimentos previsíveis, nos títulos públicos, cujo vencimento acontecerá na época em que o dinheiro das pensões se tornar necessário, acompanhando as idades de aposentadoria dos trabalhadores.
Essa opinião vem ganhando terreno entre os acadêmicos e está sendo tratada de maneira mais considerada por líderes importantes do mundo financeiro, que vêm incorporando parte de seu raciocínio às propostas que apresentam sobre as pensões.
As medidas oferecidas até agora têm pouca semelhança às propostas debatidas no começo de julho durante uma rancorosa sessão do Comitê de Alocações Orçamentárias da Câmara. O projeto de lei da Câmara para as pensões é mais generoso para as empresas. Se aprovado, pode reduzir em dezenas de bilhões de dólares os montantes que as empresas pagariam aos seus fundos de pensão nos próximos três anos. As empresas defendem a abordagem proposta pelo projeto e esperam tornar permanentes as mudanças.
Funcionários do Tesouro dizem que essa abordagem colocaria em risco os benefícios, especialmente em empresas com trabalhadores mais velhos, que solicitarão aposentadoria mais cedo.
"A verdade sobre o tema é que mais dinheiro é necessário nos planos de pensão, para garantir que os trabalhadores mais velhos recebam o dinheiro que merecem depois de décadas de esforço árduo", disse Peter Fisher, subsecretário para finanças internas, em depoimento a um subcomitê da Câmara no começo de julho.
O alto número de concordatas de fundos de pensão já enfraqueceu seriamente a agência federal de seguros de aposentadoria, o que gera temores quanto à necessidade de um resgate. A agência ainda dispõe de fluxo de caixa suficiente para cobrir os pagamentos dos aposentados, mas por enquanto. Seu déficit cresceu para um montante recorde, e ela não é capaz de continuar absorvendo planos de pensão insolventes por período indefinido.
Sem que a maioria dos norte-americanos saiba, um pequeno grupo de especialistas em finanças vêm já há alguns anos defendendo a posição de que os fundos de pensão estão em risco porque seus administradores investem demais em ações. Esses analistas foram vaiados durante os anos de boom das Bolsas, na década de 90, mas depois de três anos de baixa seus argumentos começam a ser levados em consideração.
Administradores de fundos de todos os tipos investem em ações, evidentemente, e ninguém está questionando o uso de ações pelos fundos mútuos, fundações ou universidades. Mas os fundos de pensão são diferentes, de acordo com esse raciocínio, e requerem estratégia diferente: ações, talvez, enquanto os trabalhadores são jovens, mas posteriormente, à medida que envelheçam, uma carteira ultraconservadora de títulos públicos, com vencimentos cada vez mais curtos à medida que eles se aproximem da aposentadoria.
Esse tipo de investimento para pensões saiu de moda nos anos 60 e hoje em dia é pouco utilizado. A suposição dominante é que, a longo prazo, as ações ofereçam retornos superiores aos dos títulos públicos, e portanto parecem ser um investimento mais barato.

Aposta arriscada
As implicações de uma retomada das velhas estratégias podem ser profundas. Os fundos de pensão, com ativos de US$ 1,6 trilhão, respondem por uma importante parcela dos mercados de ações. As sugestões de que as pensões estariam mais seguras caso o dinheiro fosse investido em outras partes não foram recebidas com agrado em Wall Street.
Na verdade, os administradores dos fundos parecem estar optando por riscos mais altos ainda, em lugar de reduzi-los. A composição das carteiras não é divulgada, em geral, de modo que as tendências são difíceis de acompanhar. Mas indícios isolados sugerem que os administradores estão se voltando a operações de hedge, imobiliárias, mercados emergentes e outros investimentos de risco, em um esforço por recuperar suas perdas nos mercados de ações.


Tradução de Paulo Migliacci


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