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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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Ibrahim Eris diz que atual gestão do Banco Central exagerou na alta dos juros e levou indústria à recessão

Ex-presidente do BC vê "fim da lua-de-mel"

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris, 58, presidente da Eris Consultores, acha que a lua-de-mel do mercado com o governo Lula acabou -de forma abrupta e mais rápida do que se imaginava. Para ele, as contradições do governo estão vindo à tona. "Essas vacilações e contradições dão a idéia de que o governo Lula não é o mesmo do Banco Central e do Ministério da Fazenda", afirma Eris.
Crítico desde o início da política do Banco Central de Henrique Meirelles, Eris não isenta totalmente o BC da atual turbulência que o país atravessa. O Banco Central, segundo ele, cometeu muitos erros. "A calibragem dos juros foi errada e levou a indústria à recessão", diz ele. A não-intervenção no câmbio foi outro erro, na opinião de Eris. "O câmbio é importante demais para ser tratado como se fosse banana."
A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - A que fator o sr. atribui a alta do dólar dos últimos dias?
Ibrahim Eris -
No início do ano, os mercados reagiram de forma extremamente positiva às surpreendentes políticas monetária e fiscal do governo, à forte retórica de respeito aos contratos e ao aparente compromisso com a execução rápida das reformas.
O resultado foi o que vimos ao longo do primeiro semestre: queda do índice de inflação, do risco Brasil e do dólar. O câmbio chegou a R$ 2,80, um nível que somente seria sustentável se o país vivesse eternamente com as absurdas taxas de juros do primeiro semestre e no quadro recessivo que decorre dessas taxas.
Infelizmente, ao longo dos meses, os mercados começaram a descobrir que o purismo ortodoxo do Banco Central e do Ministério da Fazenda constituía somente uma das faces deste governo. A retórica de manutenção de contratos encontrou seus limites nas atitudes do Miro Teixeira [ministro das Comunicações], que, aparentemente, em certos momentos, teve apoio do presidente da República.
As reformas se revelaram a cada dia mais pífias, com sérias dificuldades de chegar a um entendimento com o Congresso para garantir a votação mesmo dessas versões diluídas.
Simultaneamente, a cada dia está ficando mais clara a falta de capacidade deste governo de apresentar um programa social com objetivos claros e que seja factível. O governo também se mostra sem capacidade de reagir aos atos de duvidosa legalidade de movimentos como o MST. Essas vacilações e contradições dão a idéia de que o governo Lula não é o mesmo do Banco Central e do Ministério da Fazenda, mas algo diferente. O mercado parece estar no escuro tentando tatear o bicho para entender qual é o contorno desse elefante. A subida do dólar dos últimos dias tem de ser analisada com esse pano de fundo. As contradições estão vindo à tona. A lua-de-mel com o governo acabou e de uma maneira abrupta.

Folha - O sr. acha preocupante essa subida do dólar?
Eris -
Esse movimento de subida do dólar é saudável. O país precisa de uma moeda mais desvalorizada. O problema é que, infelizmente, teremos de enfrentar mais uma vez a volta da volatilidade do câmbio. Não compreendo como o Banco Central assistiu à chegada do dólar a R$ 2,80 sem fazer nada. Desde o início, o BC adotou uma política equivocada.

Folha - Quais foram os erros do Banco Central?
Eris -
Para começar, foi totalmente desnecessária a alta dos juros. Hoje não há como justificar que um país com a atual inflação mantenha uma taxa real de juros de 16% a 17% ao ano. É incompreensível para mim discutir se os juros devem cair um ponto percentual ou 1,5 ponto percentual. A discussão deve ser se os juros caem quatro, seis ou oito pontos percentuais.
A calibragem dos juros foi errada e levou a indústria à recessão. A economia só não entrou em recessão totalmente graças ao desempenho da agricultura. O equívoco na calibragem do juro foi tão grande que a previsão da inflação para o ano que vem ficou abaixo do centro da meta.
O segundo grande erro do Banco Central foi a visão que ele tem sobre câmbio flutuante. Política de câmbio flutuante não significa que o BC não possa intervir no câmbio. Em nenhum país do mundo é assim. O BC pode, sim, intervir para neutralizar as distorções existentes na economia. O câmbio é um preço importante demais para ser tratado como banana. Você pode dizer que não precisa intervir no mercado de bananas, mas não no câmbio.

Folha - Qual a razão dos erros?
Eris -
Não importa a razão, desde que se corrija o erro. O fato é que o BC avaliou erroneamente os rumos da economia e demorou para baixar os juros. Ou melhor, está demorando para baixar os juros. Eu queria saber qual é o modelo econométrico que indica que os juros devem ser de 24,5%. O Banco Central não pode ser um computador que roda um modelo e cospe um número. Não é para isso que existem diretores. Senão, teríamos um computador em vez de uma diretoria no BC.

Folha - Essas atitudes do BC foram responsáveis por essa nova turbulência na economia?
Eris -
O Banco Central pode ser responsabilizado por não eliminar a volatilidade do câmbio, mas o que está provocando essa nova turbulência é a mudança efetiva do quadro econômico e a percepção do mercado das indefinições do governo. O mercado está descobrindo que o governo pode ser um outro bicho, diferente do que aparentava nos primeiros seis meses. As contradições do governo estão vindo à tona.
Qual é o verdadeiro Lula? É o Lula de antigamente, que aparece com o boné do MST, ou o Lula novo de Meirelles?



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