São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

O jogo bate no Citi

A enxurrada de denúncias da semana passada, muitas irrelevantes, acabou deixando para segundo plano um episódio que poderá ter largas conseqüências sobre o mercado em futuro próximo. Trata-se da decisão da Corte de Apelações das Ilhas Cayman de remeter para o Privy Council of Her Majesty -a Suprema Corte Britânica- a apelação do Opportunity em relação ao processo que move contra o ex-sócio Luiz Demarco.
A guerra mortal entre os dois lados resultou em dois processos: um de Demarco contra o Opportunity, sobre o cálculo da indenização a que teria direito quando se desligou da empresa; outro do Opportunity contra Demarco.
Demarco venceu o primeiro em sentença definitiva. No segundo, recebeu sentença favorável em primeira instância, com decisão dura contra Daniel Dantas e sua irmã Verônica Dantas, na qual o juiz os acusa de falsificação de documentos e de conta bancária.
Na apelação, em vez de discutir o mérito da sentença, os advogados do Opportunity gastaram suas fichas pedindo a anulação do processo. Em vez de se apelar contra a sentença, apelou-se contra o juiz.
Na quinta-feira passada, a Corte remeteu a decisão para a instância superior, cujas sentenças definem a jurisprudência não apenas da Inglaterra mas de um conjunto de países, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Jamaica, Cayman, Índia, Hong Kong. É uma corte de cinco juízes, cujas sentenças são pessoalmente assinadas pela rainha do Reino Unido.
A questão é que não se trata de análise do mérito, mas do direito ou não de uma das partes de obter a anulação do julgamento e um novo processo. É sim ou não. Se aceitar os argumentos do Opportunity, começa um novo processo. Se não aceitar, a sentença já está dada. E, estando dada, os desdobramentos serão imprevisíveis, especialmente por expor de forma clara os problemas de governança que afetaram o maior banco do planeta, o Citiroup.
Até agora, o Privy só concedeu o "re-trial" em casos de sentença de morte. Não há notícias em outros temas, porque significaria abrir a guarda para algo comum na Justiça brasileira -as apelações visando procrastinar sentenças.
Nos últimos anos, teve início minucioso processo de levantamento da atuação do Citi na América Latina, especialmente nos processos de privatização. Na Argentina, acaba de ser lançado o livro "Citibank vs Argentina, História de um País em Bancarrota", de Marcelo Zlotogwiazda e Luis Balanguer, em que a participação do Citigroup na privatização da telefonia local guarda semelhanças estupendas com o caso Brasil Telecom. Cria-se um emaranhado de holdings, que dificulta encontrar o fio da meada, há um sócio local, que comete atos pouco ortodoxos, e o envolvimento de inúmeras autoridades no episódio. Ricardo Handley, o sócio argentino, terminou na cadeia.
Esse episódio exporá, em toda sua plenitude, a face mais obscura do processo de globalização financeira dos anos 90, os problemas de governança dos grandes grupos americanos e as alianças que montaram ao sul do continente.

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