São Paulo, Terça-feira, 03 de Agosto de 1999
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LUíS NASSIF

Os matadores de empregos

O desfecho do caso Mappin é uma lição ampla de como o Brasil não é um país em que o emprego seja prioridade. Nove mil empregos foram jogados pela janela, R$ 500 milhões (correspondentes a marca, estrutura de pessoal, práticas comerciais, pontos etc.) viraram pó, em um caso inconcebível de desperdício, em um país com crise de emprego.
Responsável 1 - Ricardo Mansur, empresário aventureiro, cuja irresponsabilidade criou o maior rombo da história comercial do país, dificultou ainda mais a concessão de crédito bancário e prejudicou a caminhada de alguns bancos em direção a participações de risco em projetos de reestruturação.
Responsável 2 - Os membros de Conselhos de Administração e de acionistas do Mappin -basicamente representantes de bancos credores, que aceitaram transformar os créditos em participação acionária-, ao permitir a escalada de aquisições de uma empresário como Mansur, sem sequer avaliar seu potencial. E, depois, ao não identificar a tempo a explosão de endividamento das companhias.
Há vários anos, as lojas de departamento já se constituíam em um modelo em crise, atropeladas pelos shopping centers, explica o consultor Nelson Barrizzelli. As lojas de departamento que sobreviveram especializaram-se no chamado ramo "mole" (fundamentalmente moda e seus complementos), com poucas incursões em utilidades domésticas e brinquedos.
O Mappin tinha o desafio da reestruturação, quando Mansur se aventurou com a Mesbla, episódio tão obscuro na história das empresas nacionais como foi o da Casa Centro. Empresa do ano da revista "Exame" em 1988, poucos anos depois aparecia com um passivo total de R$ 820 milhões, sem que analistas de mercado, Bolsas e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) detectassem o processo de deterioração da companhia.
Com a reestruturação, créditos são transformados em ações. A questão é que a nova empresa necessitava de capital de giro para começar a nova etapa. Esse capital teria que ser bancado pelos novos acionistas ou oferecido pelos fornecedores -exatamente aqueles que tinham levado um calote de R$ 500 milhões e tinham agora, como prêmio de consolação em seus ativos, ações de pouco valor. Juntou-se uma empresa precisando de uma reestruturação total com outra falida.
Responsável 3 - Órgão de regulação do mercado acionário, como a CVM, que não identificou a tempo a explosão de endividamento da empresa, com desvio de recursos -ao que tudo indica.
A operação de salvamento do Mappin consistia, primeiro, em separar a empresa do empresário. Este ficaria com os passivos, seria alvo de ações de ressarcimento e tudo mais. A empresa seria vendida, o dinheiro arrecadado serviria para amortizar dívidas antigas. Para manter a empresa funcionando no período de venda, havia a necessidade de R$ 100 milhões, que os credores emprestariam a uma empresa de propósito definido, para que adquirisse produtos e os entregasse em consignação ao Mappin. Portanto o risco era mínimo.
Responsável 4 - Analistas de extrato ideológico e pouco conhecimento prático de processos de reestruturação, que confundiram com operação hospital e passaram a pressionar o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que não aderissem à operação de salvamento, que já tinha a adesão dos credores privados.
Responsável 5 - Autoridades do governo federal, do BB e do BNDES que fugiram das suas responsabilidades para não ter que enfrentar o desafio de explicar uma operação complexa para uma opinião pública contaminada pelas primeiras avaliações sobre a operação.
Responsável 6 - O próprio Judiciário. Enquanto se negociava o arrendamento das principais lojas do Mappin, um juiz decreta sua falência. Numa ponta, tinha-se a rede Pão de Açúcar tentando o arrendamento -e pagando ao Mappin. Na outra, a Carrefour negociando diretamente com os donos dos imóveis -para não ter que pagar o fundo de comércio ao Mappin. Decretando a falência, todo o ativo representado pelo fundo de comércio virou pó. Agora há 9.000 desempregados, duas empresas extintas, passivos fiscais e trabalhistas que jamais serão quitados, nem parcialmente.
É o preço do subdesenvolvimento cultural de um país que só defende o emprego no gogó.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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