São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Que venha a primavera!

BENJAMIN STEINBRUCH

A gosto é considerado fatídico na cultura latina. Os mais supersticiosos evitam tomar qualquer decisão importante nesse mês. Não promovem casamentos, mudanças de residência ou novos negócios. A Primeira Guerra Mundial, por exemplo, começou em 1º de agosto de 1914.
No Brasil, agosto é mês de cachorro louco, porque as condições climáticas comprovadamente favorecem a propagação do vírus da raiva entre os animais. Na política, é o mês em que ocorreram algumas grandes tragédias: o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e o acidente em que morreu Juscelino Kubitschek, em 1976.
Grandes artistas brasileiros morreram em agosto, entre eles Carmen Miranda, Orlando Silva, Vicente Celestino e Luiz Gonzaga.
Agosto deste ano começou ameaçador. No fim de julho, o dólar havia subido para quase R$ 3,50 e o Brasil enfrentava uma grave crise de credibilidade externa. Parecia que o mundo iria desabar. De fato, no mês passado, o país andou conturbado, com a crise externa e com os solavancos da campanha eleitoral. Mas, olhado deste início de setembro, agosto parece ter terminado melhor do que se esperava. Afinal, bem ou mal, saiu o acordo de US$ 30 bilhões com o FMI, caiu o risco Brasil e o dólar acabou o mês mais barato do que em julho. Até a Bolsa de Valores subiu.
Passado o mês de cachorros loucos, é hora de acalmar também as neuroses em relação à sucessão presidencial. O Brasil continuará a ser um país viável, seja lá quem for o candidato eleito em outubro. Até prova em contrário, temos de acreditar nas propostas de governo já apresentadas pelos principais presidenciáveis. Todas apontam para o caminho da esperança: preocupação com a área social, atenção ao crescimento da economia e do emprego, estímulo aos investimentos, responsabilidade fiscal e cuidados com a segurança.
Ou seja, a julgar pelos programas, temos razões para crer que o país continuará num rumo seguro. Então, por que cultivar essa neurose da transição? Sim, o Brasil tem um problema grave de financiamento externo. Ainda deve precisar de uns US$ 40 bilhões em 2003 para financiar o balanço de pagamentos. Mas também há avanços na área externa: está em curso um amplo processo de substituição de importações, as exportações em vários setores estão em forte expansão e a balança comercial pode ter superávit de até US$ 10 bilhões no próximo ano.
Quantos países podem se dar ao luxo de ter uma enorme produção de alimentos baratos, uma estrutura produtiva competitiva, um sistema financeiro moderno e eficiente e uma razoável ordem social, a despeito das diferenças culturais e das desigualdades de renda?
O Brasil se alinha entre as grandes potências emergentes deste início de século, ao lado da China, da Índia e da Rússia. A transição de poder, em vez de provocar histeria, deveria ser encarada como uma oportunidade. Legitimado pelo voto, o novo presidente poderá tomar medidas que, mantida a estabilidade conquistada nos anos FHC, criem uma espiral ascendente alimentada por ela mesma. A ansiedade por crescimento econômico e por empregos é tamanha que dois mais dois podem somar cinco se as medidas do novo presidente atenderem às demandas da população.
O presidente Fernando Henrique Cardoso passou seus dois mandatos cuidando da estabilidade e tentando equilibrar as contas públicas. Foi bem-sucedido, mas deixou de propor algumas reformas necessárias para impulsionar a economia a um crescimento sustentado. Espero que o presidente que será eleito em outubro tenha credibilidade e autoridade para cuidar delas.
Agosto terminou. Que venham a primavera e as flores!

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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