São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2008

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BC aumenta a liquidez após dia de crédito "seco"

Grandes empresas não obtêm financiamento; juros a exportadores disparam

Para Octavio de Barros, do Bradesco, momento é propício para autoridade monetária iniciar operação de desmonte de compulsórios

ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O nervosismo de ontem no mercado financeiro, explicitado na queda da Bovespa e na alta do dólar, teve reflexos diretos na economia não-financeira: o crédito ofertado pelas instituições financeiras para que as empresas brasileiras possam produzir ou vender a produção -que já vinha minguando nos últimos dias- chegou ao ponto mais crítico desde o acirramento da crise global.
O setor mais afetado continua sendo o da exportação- dependente de linhas de crédito em dólar-, mas mesmo as grandes empresas com produção voltada para o mercado doméstico já têm dificuldades.
"A preocupação é com a falta de liquidez. Os bancos brasileiros estão sólidos, mas a liquidez é sempre um problema. Para a exportação, o crédito secou mesmo, mas o dia de hoje [ontem] mostra que nenhum setor vai passar incólume pela restrição da oferta [de crédito], se não forem adotadas medidas adequadas", diz Erivelto Rodrigues, diretor da Austin Rating.
Ontem à noite, o BC anunciou mudança no recolhimento compulsório com o objetivo de resolver o problema de liquidez no sistema financeiro, mas direcionada ao socorro de bancos de pequeno e médio porte.
Segundo Rodrigues, empresas e instituições financeiras expostas a crédito de longo prazo no mercado interno -como o da venda de automóveis ou os bancos que concedem crédito consignado- tendem a ser as mais afetadas no primeiro momento. "Quem tem empréstimo mais curto gira a carteira mais rápido e resolve parte do problema", explica.
José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), diz que o crédito para exportadores "estancou totalmente" -e quem consegue obter financiamento aceita "condições inimagináveis", comparadas às de algumas semanas.
"Ninguém está conseguindo acessar [linhas de crédito]. Os poucos que conseguem têm que pagar juros de 14%, 15%, daí para cima. O tombo é maior porque as condições mudaram drasticamente. Há um mês, havia excesso de liquidez, e o exportador pagava taxas de 4% a 5% nos contratos de ACC [adiantamento sobre contrato de câmbio]", diz Castro.
Segundo estimativa da AEB, o impacto da crise para as exportações será "residual" em 2008, mas pode ser "dramático" em 2009. "Pode estar se formando um ciclo negativo. O exportador não tem acesso a crédito para produzir e sofre também com a queda de preços no mercado internacional."
Levantamento da AEB mostra que na terça-feira passada (dia 30) as cotações das commodities exportadas pelo Brasil chegaram ao nível mais baixo do ano. Em relação à média de preços praticados entre janeiro e setembro, as cotações da soja em grão registravam queda de 13,8%; café em grão, 26,5%, e milho, 17,4%.
"Isso mostra que crises sistêmicas exigem medidas sistêmicas. E não dá pra imaginar que ficaríamos fora disso. O crédito secou ou ficou muitíssimo mais caro aqui dentro. Há uma aversão brutal a risco", diz o economista Álvaro Bandeira, diretor da corretora Ágora.
Na avaliação de Paulo Rabello de Castro, da SR Rating, o Brasil está começando a pagar a fatura de "um surto" das autoridades monetárias dos países ricos: "Evitaram um ataque frontal às causas do desequilíbrio e injetaram liquidez na economia internacional de uma forma alucinada. Isso fez, por exemplo, a Bovespa registrar a exuberância dos últimos tempos. Agora, a Bolsa está devolvendo. É como os jogos infantis: estamos voltando 5 casas, depois de andar 30".

Compulsório
O economista Octavio de Barros, diretor de pesquisas econômicas do Bradesco, afirma que, diante do aperto de liquidez, é difícil identificar outro momento mais favorável do que o atual para iniciar a operação desmonte dos compulsórios. Suas declarações foram dadas antes das medidas anunciadas ontem à noite pelo BC.
Compulsórios são recursos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central.
Segundo ele, o Brasil tem a maior distorção no mundo em relação aos compulsórios -chegam a 53% sobre depósitos à vista, a 30% sobre a poupança e a 23% sobre depósitos a prazo. "Não faz sentido importar uma crise de liquidez que é totalmente externa tendo R$ 259 bilhões de recursos aprisionados no Banco Central.".
"Se não for em um momento como este, quando é que se poderá iniciar gradualmente a operação de desmonte dessa distorção?"


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