São Paulo, sábado, 03 de outubro de 2009

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ANÁLISE

Combate à crise americana é missão não cumprida

Complacência que começa a se instalar em relação à economia dos EUA é tola e perigosa, e governo precisa fazer muito mais que o planejado para recuperá-la

Paul Richards - 17.set.09/France Presse
Fila em feira de aconselhamento para obter emprego, em Baltimore (EUA); 263 mil postos de trabalho foram cortadas em setembro

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

As Bolsas estão em alta. Ben Bernanke diz que a recessão acabou. E percebo entre muitas figuras influentes uma crescente disposição de declarar "missão cumprida", no que diz respeito ao combate à crise. Já ouvi muitas vezes que chegou a hora de mudar de foco e deixar de lado o estímulo econômico em troca do combate ao deficit orçamentário.
Não, não chegou. E a complacência que começa a se instalar quanto à situação da economia é tanto tola quanto perigosa.
Sim, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) e o governo Obama nos tiraram da "beira do abismo", aliás, o título de um novo estudo de Christina Romer, a presidente do Conselho de Assessoria Econômica da Casa Branca. Romer argumenta, convincentemente, que a política expansiva nos salvou de uma possível reprise da Grande Depressão.
Mas, embora seja bom não termos uma nova depressão, tudo indica que, a menos que o governo faça muito mais do que o que está planejado atualmente para ajudar a economia a se recuperar, o mercado de trabalho -que no momento conta com seis vezes mais candidatos do que vagas- continuará péssimo por muitos anos.
De fato, as projeções econômicas do governo americano (as quais levam em conta os empregos adicionais que, segundo a administração Obama, suas políticas criarão) indicam que o índice médio de desemprego, que ficava abaixo dos 5% dois anos atrás, terá média de 9,8% no ano que vem, 8,6% em 2011 e 7,7% em 2012.
Esse desfecho não deveria ser considerado aceitável. Para começar, ele implica um grande sofrimento ao longo dos próximos anos. E, além disso, um desemprego que se mantenha tão elevado por prazo tão longo causará sérias dúvidas quanto ao futuro dos Estados Unidos.
Quem quer que acredite que estamos fazendo o bastante para criar vagas deveria ler um novo relatório de John Irons, do Instituto de Política Econômica, que descreve as "cicatrizes" que serão causadas pela persistência de um alto desemprego. Entre outras coisas, ele aponta que desemprego sustentado na escala agora prevista resultaria em grande elevação na pobreza infantil e existem fortes indícios de que infâncias vividas na pobreza têm alarmante probabilidade de conduzir a vidas infortunadas.
Esses custos humanos deveriam ser a nossa principal preocupação, mas as projeções de custo também são sombrias. As projeções do Serviço Orçamentário do Congresso, por exemplo, implicam que, no período de 2010 a 2013 -ou seja, sem contar as perdas já sofridas-, a "disparidade de produção" (a diferença entre o volume que a economia poderia ter produzido e o que ela estará efetivamente produzindo) será de mais de US$ 2 trilhões. Isso significa que trilhões de dólares em potencial produtivo estarão sendo desperdiçados.
Mas espere. Há dados ainda piores. Um novo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) demonstra que a espécie de recessão que vivemos, uma recessão causada por crise financeira, muitas vezes provoca prejuízo de longo prazo à perspectiva de crescimento de um país. "A trajetória da produção tende a se deprimir substancial e persistentemente depois de crises bancárias."
O mesmo relatório, porém, sugere que esse desfecho não é inevitável: "Concluímos que uma resposta de política fiscal mais forte em curto prazo" -com isso, eles querem dizer um aumento temporário nos gastos do governo- "está associada de forma significativa a uma perda menor de produção em médio prazo."
Deveríamos estar fazendo muito mais do que estamos para promover a recuperação econômica, não só porque isso reduziria as dores que sofremos atualmente mas também porque melhoraria as nossas perspectivas em longo prazo.
Mas será que podemos fazer ainda mais: fornecer mais assistência aos Estados em crise e aos desempregados, gastar mais em infraestrutura, oferecer créditos tributários aos empregadores que criarem postos de trabalho? Sim, podemos.
A ideia dominante é que tentar ajudar a economia americana agora produz ganhos no curto prazo à custa de dores no longo prazo. Mas, como acabei de indicar, do ponto de vista do país como um todo não é assim que as coisas funcionam. A crise está causando danos de longo prazo à nossa economia e sociedade e mitigá-la resultaria em um futuro melhor.
O que é verdade é que gastar mais na recuperação e na reconstrução agravaria a posição fiscal do governo. Mas, mesmo quanto a isso, as ideias dominantes tendem a exagerar demais os argumentos. Os verdadeiros custos fiscais das medidas de apoio à economia são realmente pequenos.
A verdade é que gastar dinheiro agora significa uma economia mais forte em curto e em longo prazos. E uma economia mais forte significa mais arrecadação, o que compensa larga parcela do custo inicial. Cálculos rápidos sugerem que essa compensação não atinge os 100%, de modo que o estímulo fiscal não sai de graça. Mas custa muito menos do que seria de imaginar por quem acompanha debates supostamente bem informados.
Sei que ampliar as medidas de estímulo é uma proposta difícil de defender em termos políticos. Mas, mesmo assim, é uma necessidade urgente. A questão não deveria ser se podemos fazer mais para promover a recuperação e, sim, se podemos nos dar ao luxo de não fazê-lo. E a resposta é não.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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