São Paulo, sábado, 03 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crise dobra o desemprego no México

País vive o pior desempenho econômico desde 1932; neste ano, PIB deverá ter queda superior a 8%

População sofre com o desemprego, especialmente na região de fronteira; país ainda é muito dependente de exportações aos EUA


FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A TIJUANA (MÉXICO)

Há um ano, Delfina Rodríguez, 55, perdeu o emprego numa das 700 maquiladoras de Tijuana. Já não tem esperança de encontrar outro após 23 anos trabalhando nesse tipo de empresa, que importa insumos e peças para reexportar produtos prontos. "Eles falaram que não queriam gente velha. E não me pagaram nada."
Em sua casa num dos morros sem vegetação da empoeirada cidade mexicana -o bairro lembra uma favela carioca num quadro saturado pela luz do deserto-, ela comemora porque seu genro Hugo, de 18 anos, voltou a trabalhar em agosto, depois de sete meses de aperto, numa maquiladora de eletrônicos. Ao lado dela, a filha Angelis, 16, grávida de sete meses, diz que só pagarão ao seu marido US$ 200 mensais, menos da metade do que ele recebia no emprego anterior.
A família Rodríguez sofre as consequências do pior desempenho econômico do México desde 1932 -o PIB caiu 10,3% no segundo trimestre e o recuo anual não deve ser menor de 8%. Estão na populosa e murada fronteira do país com San Diego, na Califórnia. Como o resto da divisa México-EUA, a região é estratégica tanto para o narcotráfico como para o modelo exportador baseado nas maquiladoras. Tijuana é pioneira e importante nos dois tipos de negócio.
Já abalada pela fuga de empresas rumo à China, em busca de mão de obra ainda mais barata, no começo da década, a região de fronteira vive sua segunda e mais profunda recessão desde 2001. Alimenta o debate a que o próprio presidente mexicano, Felipe Calderón, se referiu quando esteve no Brasil no mês passado: é preciso diminuir a dependência econômica dos Estados Unidos.
A dependência se aprofundou nos 15 anos do Nafta, a área de livre comércio da América do Norte. Mais de 80% das exportações mexicanas vão para o grande vizinho, de onde vêm as remessas dos imigrantes, também em queda, que perfazem 2% da riqueza do país.
Analistas e a oposição tomaram o mote do presidente para repetir que o modelo de desenvolvimento se esgotou. Ninguém vê uma saída rápida da encruzilhada, no momento em que o país ainda sofre com a queda da produção de petróleo, monopólio estatal, o que ajuda a piorar as contas públicas.
"Da maior expansão da economia americana entre 2004 e 2007, quem se beneficiou foi a China. Nós seguimos medíocres. Se o México não buscar outra maneira de se posicionar, se seguir apostando tudo na atração de investimento externo pela mão de obra barata, sem nenhuma congruência com uma política industrial nacional, as perspectivas de futuro são muito ruins", diz o economista Cuauhtémoc Calderón, do prestigiado Colégio da Fronteira Norte, em Tijuana.

Vendedor de pão
Na comparação com o primeiro semestre de 2008, o desemprego dobrou, de 3,22% para 7,61%, de janeiro a junho deste ano no Estado de Baixa Califórnia, onde fica Tijuana.
Estima-se que 50 mil pessoas tenham perdido o trabalho formal. Os números são altos para uma zona que, na década passada, exibia praticamente pleno emprego, ainda que com baixos salários e quase nenhuma garantia trabalhista. E não contabiliza a grande população flutuante de Tijuana -tanto a que desiste da travessia aos EUA, cada vez mais perigosa, quanto a que é deportada de lá.
A situação se repete no Estado de Chihuhaua, que abriga o polo de maquiladoras automobilísticas de Ciudad Juárez, devastado pela crise das montadoras americanas.
Pelas zonas de maquiladoras de Tijuana -elas também instaladas nos topos dos morros-, vê-se placas de venda de indústrias inteiras. Trabalhadores reclamam de jornada reduzida. Dizem que as empresas demitem para contratar por menores salários.
Na porta de uma das fábricas, Victor Olivares, 34, diz que é vendedor de pão desde o começo do ano. Conta que assim ganha o dobro do salário que lhe pagava uma maquiladora que o contratava mês a mês, algo que viola as leis trabalhistas mexicanas. "Eles pagam cada vez pior. E agora, com o desemprego, há dez vendedores de pão em cada fábrica", reclama.
Dois dos sete filhos de Delfina Rodríguez também trabalham em maquiladoras, e tiveram as jornadas de trabalho encurtadas. "É a pior crise que eu já vi. As coisas vão piorando."
Ela veio há 23 anos do Estado de Michoacán, no centro do país, para tentar chegar aos EUA. Ficou em Tijuana porque arrumou emprego. Um de seus filhos, porém, decidiu cumprir seu plano inicial. Saiu de casa para cruzar a fronteira há seis anos e Delfina diz que nunca mais teve notícias dele.


Texto Anterior: Energia: Eletrobrás "limpará" balanço de empresas controladas
Próximo Texto: Associações do setor estimam só 7% de cortes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.