São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

PPP, eficiência e risco

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Está em discussão no Senado o projeto de lei que regulamenta a adoção de PPPs (Parceiras Público-Privadas) no país. O intuito do presente artigo é discutir o objetivo das PPPs, suas vantagens e desvantagens e os riscos envolvidos em sua implementação.
As PPPs são parcerias entre os setores público e privado nas quais o governo especifica o serviço a ser ofertado e um mesmo agente do setor privado desenha, financia, constrói, explora e disponibiliza para a população o ativo que será utilizado para ofertar o serviço. A propriedade do ativo ao longo do contrato permanece com o parceiro privado, e o retorno do investimento é obtido mediante cobrança de tarifa do público e/ou transferência de recursos do Orçamento público. Ou seja, as PPPs são uma junção de licitação e concessão.
Que vantagens as PPPs podem trazer ao país?
A principal vantagem das PPPs decorre da impossibilidade prática de desenhar contratos completos, ou seja, contratos que sejam capazes de prever todos os aspectos necessários para que os objetivos sejam atingidos, todos os eventos futuros que irão afetar a lucratividade do investimento etc. Devido a essa impossibilidade, o construtor e/ou ofertante do serviço poderá modificar as condições inicialmente contratadas, dentro de certos limites, sem que esteja violando o contrato. Isso gera dois tipos de incentivo para o investidor privado:
1) realizar investimentos que reduzem o custo e, simultaneamente, aumentam a qualidade dos serviços ofertados (utilizar tecnologia que minimize o custo de construção e, ao mesmo tempo, aumente a qualidade da obra);
2) realizar investimentos que reduzem o custo e, simultaneamente, diminuem a qualidade dos serviços (utilizar material de pior qualidade na construção da obra).
A existência de incentivos para esses dois tipos de investimento pode transformar a PPP em uma opção de contrato que gera maior eficiência microeconômica do que a combinação de licitação com concessão. Isso ocorre se a qualidade da obra estiver diretamente relacionada ao custo de oferecer o serviço nas condições desejadas pelo poder público e essas condições puderem ser explicitadas em contrato antes da realização da obra. Nessas condições, uma PPP conseguirá fazer com que o parceiro privado tenha incentivo para minimizar o custo de construção do ativo e maximizar sua qualidade, sem que o governo tenha de fiscalizar a obra, pois o custo de manter a qualidade do serviço dentro do contratado depende diretamente da qualidade da obra. Terá apenas que verificar se os indicadores de qualidade do serviço estão sendo devidamente cumpridos, após o início da operação do ativo.
É importante notar que o ganho de eficiência microeconômica das PPPs decorre do fato de que o mesmo agente privado irá construir e utilizar o ativo posteriormente para ofertar o serviço, que é o objetivo do contrato. Ou seja, não existe separação entre essas duas atividades. Os contratos de PPPs somente devem ser utilizados para a construção e a operação de ativos pelo mesmo agente privado, para oferecer serviços públicos cuja taxa de retorno social é maior que a taxa de retorno privada.
Além da maior eficiência microeconômica, as PPPs têm a vantagem de a obra ser financiada com recursos privados, o que permite ao governo aumentar o investimento em infra-estrutura sem aumentar seu endividamento, utilizar a maior capacidade administrativa e de inovação e transferir pelo menos parte do risco do investimento para o setor privado. Para o setor privado, as PPPs abrem novas oportunidades de investimento em áreas que sempre foram monopólio do investimento público.
Apesar dessas vantagens, as PPPs apresentam riscos importantes, do ponto de vista fiscal. O tratamento fiscal das PPPs depende de quanto dos riscos do empreendimento será transferido para o setor privado. Existem diferentes tipos de risco em PPPs:
a) o risco de construção (desenho, custos, prazos de construção etc.);
b) o risco financeiro (variação da taxa de juros, da taxa de câmbio etc.);
c) o risco de performance (viabilização do ativo no momento certo, qualidade na provisão do serviço etc.);
d) o risco de demanda (qual a demanda futura pelo serviço);
e) o risco correspondente à definição do valor residual do ativo, no final do contrato.
Quanto menor a parcela dos riscos transferida para o setor privado, mais o investimento se assemelha a um investimento público. No limite, quando todo o risco é assumido pelo setor público, o investimento, ainda que tenha sido financiado privadamente, deveria ser contabilizado como investimento público, na forma de um "empréstimo imputado" do parceiro privado. Porém, como cada contrato de PPP deverá definir diferentes níveis de transferência de risco, é difícil definir uma regra geral na legislação. Daí a necessidade de estabelecer uma regra capaz de limitar a utilização das PPPs para "disfarçar" investimentos públicos como se fossem privados. A solução que foi apresentada no Senado, de contabilizar os desembolsos de cada projeto como gasto corrente, a cada momento da duração do contrato, e estipular um percentual máximo da receita do governo que poderia ser gasto em PPPs é uma opção que, pelo menos, limita o risco incorrido.
Um segundo risco é a utilização de bancos oficiais (BB, CEF, BNDES) e fundos de pensão de empresas estatais (Previ, Funcef, Petros, Fapes etc.) como financiadores ou parceiros dos contratos de PPPs. Nesse caso, a divisão de riscos não é clara. Em caso de fracasso do investimento, quem arca com o risco de crédito? No caso dos fundos de pensão, o Estado poderá ter que cobrir déficits futuros desses fundos devido a fracassos em projetos de PPPs. Os resultados do programa de privatizações do governo anterior mostram que esse não um risco desprezível. Especificar limites para a participação dessas instituições nas PPPs é uma condição fundamental para que haja efetiva transferência de risco para o setor privado.
Em suma, as PPPs são um tipo de contrato que pode gerar eficiência microeconômica na provisão de determinados serviços públicos, cuja taxa de retorno privada é muito baixa e menor que a taxa de retorno social. Nesse sentido, desenhar uma institucionalidade que consiga minimizar os riscos fiscais envolvidos poderá trazer um ganho importante no sentido de incentivar investimentos privados em infra-estrutura pública de forma eficiente.


José Márcio Camargo é prof. do Departamento de Economia da PUC/RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada.

E-mail -
josecamargo@tendencias.com.br


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