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LAWRENCE SUMMERS
Ansiedade na classe média global
Globalização favorece ricos e setores de baixa renda; é preciso encontrar formas de amparar as camadas médias
CONTRARIANDO as probabilidades, estamos vivendo um
momento de fartura. Os efeitos colaterais dos ataques do 11 de
Setembro e o aumento de 200% do
petróleo não impediram que a economia mundial crescesse mais rápido nos últimos cinco anos do que em
qualquer outro qüinqüênio da história econômica registrada.
Dado o desempenho recente e o
fato de que os mercados mundiais
embutiram em seus preços uma
perspectiva econômica otimista, a
expectativa seria que o momento
que vivemos fosse de grande entusiasmo pela economia de mercado e
pela integração mundial.
Mas, em muitos quadrantes, a desilusão cresce. Do fracasso em concluir positivamente a Rodada Doha
de negociações de comércio aos onipresentes ataques ao grupo Wal-Mart, da maciça reestatização na
Rússia ao sucesso do populismo na
América Latina e na Europa Oriental, é possível constatar um grau de
ansiedade quanto à economia de
mercado que não tem paralelos no
período posterior à queda do Muro
de Berlim ou mesmo antes dela.
Por que essa desilusão? Parte do
sentimento antiglobalização pode
ser compreendido como resistência
aos EUA, em razão dos equívocos de
política externa do governo Bush.
Mas há uma fonte muito mais perturbadora: o crescente reconhecimento de que as vastas camadas médias mundiais não estão desfrutando dos benefícios do crescimento
econômico que vivemos.
Dois grupos estavam na posição
certa e chegaram na hora exata para
obter benefícios da globalização e
das mudanças tecnológicas. Primeiro, os moradores de países de baixa
renda, principalmente na Ásia e especialmente na China, que estavam
aptos a se integrar ao sistema mundial. A combinação de baixos salários, tecnologia de fácil difusão e
acesso aos mercados mundiais de
produtos e finanças alimentou uma
explosão econômica.
Segundo, estamos vivendo uma
era dourada para aqueles que já detinham ativos valiosos. Os proprietários de mercadorias escassas viram
seus retornos subirem prodigiosamente. Dirigentes de empresas capazes de aproveitar a globalização
para obter mão-de-obra menos dispendiosa e vender a mercados mais
amplos viram suas rendas subirem
muito mais rápido que a média geral
em seus países. O setor financeiro
certamente tem condição de se beneficiar das alterações nos valores
dos ativos associados à globalização,
e com isso prosperara.
Mas ninguém mais se saiu tão
bem. Trabalhadores de classe média
e seus empregadores no Meio-Oeste
dos EUA, no vale do Ruhr, na América Latina ou na Europa Oriental ficaram de fora da bonança. Essa é a
razão essencial para que a renda familiar média esteja bem abaixo do
crescimento da produtividade nos
EUA e para que os países de renda
média e desprovidos de recursos naturais venham encontrando dificuldades de achar uma área com vantagens comparativas. É a esse imenso
grupo que falta capital para se beneficiar da globalização e é ele que busca desesperadamente garantias ou
mudança de rumo. E, sem seu apoio,
é duvidoso que a ordem econômica
mundial possa ser mantida.
Sejamos francos. A ladainha que
as ansiosas camadas médias ouvem
com freqüência não oferece sustento. Os argumentos gêmeos de que a
globalização é inevitável e o protecionismo é contraproducente têm a
enorme virtude de serem corretos,
mas não dão oferecem consolo.
A educação é peça central de qualquer estratégia econômica, mas
existe um limite aos benefícios que
pode oferecer a trabalhadores de 40
anos ou mais. E a educação tampouco pode servir como resposta completa em um momento no qual programadores indianos qualificados
trabalham por menos de US$ 2.000.
Atender às necessidades das ansiosas camadas médias mundiais é o
desafio econômico de nossa era.
Nos EUA, o pêndulo político se
move à esquerda. As melhores porções da tradição progressista não se
opõem ao mercado; melhoram os
desfechos que ele gera naturalmente. É disso que precisamos hoje.
Não existem respostas fáceis. A lógica econômica do capitalismo livre,
globalizado e tecnologicamente sofisticado pode bem ser a de transferir mais patrimônio aos mais ricos e
a algumas das camadas mais pobres
do mundo, comprimindo as médias.
O nosso sucesso na promoção da integração internacional dependerá
daquilo que pudermos fazer pelas
grandes camadas médias mundiais.
LAWRENCE SUMMERS foi secretário do Tesouro norte-americano. Este artigo foi originalmente publicado no Financial Times".
Excepcionalmente, hoje, a coluna de LUIZ CARLOS
MENDONÇA DE BARROS não é publicada.
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