São Paulo, sexta-feira, 03 de novembro de 2006

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LAWRENCE SUMMERS

Ansiedade na classe média global

Globalização favorece ricos e setores de baixa renda; é preciso encontrar formas de amparar as camadas médias

CONTRARIANDO as probabilidades, estamos vivendo um momento de fartura. Os efeitos colaterais dos ataques do 11 de Setembro e o aumento de 200% do petróleo não impediram que a economia mundial crescesse mais rápido nos últimos cinco anos do que em qualquer outro qüinqüênio da história econômica registrada.
Dado o desempenho recente e o fato de que os mercados mundiais embutiram em seus preços uma perspectiva econômica otimista, a expectativa seria que o momento que vivemos fosse de grande entusiasmo pela economia de mercado e pela integração mundial.
Mas, em muitos quadrantes, a desilusão cresce. Do fracasso em concluir positivamente a Rodada Doha de negociações de comércio aos onipresentes ataques ao grupo Wal-Mart, da maciça reestatização na Rússia ao sucesso do populismo na América Latina e na Europa Oriental, é possível constatar um grau de ansiedade quanto à economia de mercado que não tem paralelos no período posterior à queda do Muro de Berlim ou mesmo antes dela.
Por que essa desilusão? Parte do sentimento antiglobalização pode ser compreendido como resistência aos EUA, em razão dos equívocos de política externa do governo Bush. Mas há uma fonte muito mais perturbadora: o crescente reconhecimento de que as vastas camadas médias mundiais não estão desfrutando dos benefícios do crescimento econômico que vivemos.
Dois grupos estavam na posição certa e chegaram na hora exata para obter benefícios da globalização e das mudanças tecnológicas. Primeiro, os moradores de países de baixa renda, principalmente na Ásia e especialmente na China, que estavam aptos a se integrar ao sistema mundial. A combinação de baixos salários, tecnologia de fácil difusão e acesso aos mercados mundiais de produtos e finanças alimentou uma explosão econômica.
Segundo, estamos vivendo uma era dourada para aqueles que já detinham ativos valiosos. Os proprietários de mercadorias escassas viram seus retornos subirem prodigiosamente. Dirigentes de empresas capazes de aproveitar a globalização para obter mão-de-obra menos dispendiosa e vender a mercados mais amplos viram suas rendas subirem muito mais rápido que a média geral em seus países. O setor financeiro certamente tem condição de se beneficiar das alterações nos valores dos ativos associados à globalização, e com isso prosperara.
Mas ninguém mais se saiu tão bem. Trabalhadores de classe média e seus empregadores no Meio-Oeste dos EUA, no vale do Ruhr, na América Latina ou na Europa Oriental ficaram de fora da bonança. Essa é a razão essencial para que a renda familiar média esteja bem abaixo do crescimento da produtividade nos EUA e para que os países de renda média e desprovidos de recursos naturais venham encontrando dificuldades de achar uma área com vantagens comparativas. É a esse imenso grupo que falta capital para se beneficiar da globalização e é ele que busca desesperadamente garantias ou mudança de rumo. E, sem seu apoio, é duvidoso que a ordem econômica mundial possa ser mantida.
Sejamos francos. A ladainha que as ansiosas camadas médias ouvem com freqüência não oferece sustento. Os argumentos gêmeos de que a globalização é inevitável e o protecionismo é contraproducente têm a enorme virtude de serem corretos, mas não dão oferecem consolo.
A educação é peça central de qualquer estratégia econômica, mas existe um limite aos benefícios que pode oferecer a trabalhadores de 40 anos ou mais. E a educação tampouco pode servir como resposta completa em um momento no qual programadores indianos qualificados trabalham por menos de US$ 2.000. Atender às necessidades das ansiosas camadas médias mundiais é o desafio econômico de nossa era.
Nos EUA, o pêndulo político se move à esquerda. As melhores porções da tradição progressista não se opõem ao mercado; melhoram os desfechos que ele gera naturalmente. É disso que precisamos hoje. Não existem respostas fáceis. A lógica econômica do capitalismo livre, globalizado e tecnologicamente sofisticado pode bem ser a de transferir mais patrimônio aos mais ricos e a algumas das camadas mais pobres do mundo, comprimindo as médias.
O nosso sucesso na promoção da integração internacional dependerá daquilo que pudermos fazer pelas grandes camadas médias mundiais.


LAWRENCE SUMMERS foi secretário do Tesouro norte-americano. Este artigo foi originalmente publicado no Financial Times".
Excepcionalmente, hoje, a coluna de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS não é publicada.


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