São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

Deixem o brasileiro consumir em paz


Foi a expansão do crédito e a desoneração tributária que sustentaram o consumo nos piores momentos da crise

HAVIA PROMETIDO a m im mesmo não escrever durante algumas semanas sobre assuntos relativos a juros, crédito e política monetária em geral. O leitor deve estar cansado desses temas e merece abordagens mais leves, mesmo em páginas de economia.
Mas, infelizmente, tenho de quebrar a promessa, porque sobrevieram alguns fatos que não gostaria de deixar passar em branco. Na semana passada, surgiram alertas para o risco da expansão do crédito no Brasil. As origens desses alertas são as de sempre: vozes da ortodoxia, que se apoiam no fato de que a atual crise norte-americana teve início com o crescimento do crédito.
Desde logo, é preciso deixar claro que não há comparação possível entre o que ocorreu nos Estados Unidos antes da catástrofe de 2008 e o que ocorre no Brasil de hoje. Lá, a concessão de crédito atingiu altos índices de irresponsabilidade, chegando ao ponto de pessoas sem nenhuma renda terem recebido crédito para a compra de casas na faixa de US$ 1 milhão. Não há a mais pálida suspeita de que esteja se formando no Brasil uma bolha de crédito como a que estourou nos Estados Unidos.
Nos momentos mais críticos da bolha americana, o estoque total de crédito atingiu a quase 250% do PIB (Produto Interno Bruto). Aqui, onde sempre houve deficiência crônica de financiamentos, há uma história interessante para ser lembrada sobre esse assunto.
Quando o presidente Lula tomou posse para seu segundo mandato, no início de 2007, fez um discurso discretíssimo em matéria de promessas. Ele estava ressabiado com a previsão que fizera durante a campanha para o primeiro mandato, de que criaria 10 milhões de empregos em quatro anos. E não arriscou nenhuma previsão numérica sobre nada. Com uma exceção: disse que pretendia elevar a relação entre o crédito e o PIB para 50% até o fim do governo, em dezembro de 2010. Naquele momento, a relação era de 30,7%.
Faltando pouco mais de um ano para completar o mandato, Lula não está longe de cumprir essa promessa. Segundo dados do Banco Central, o estoque de crédito no Brasil chegou ao nível recorde de R$ 1,35 trilhão em setembro, valor equivalente a 45,7% do PIB. Isso significa que, em média, cada um dos 190 milhões de brasileiros é tomador de US$ 7.100 em financiamentos.
Os que se apressaram em fazer alertas sobre bolha de crédito devem levar em conta que a relação atual brasileira, de 45,7%, embora seja um recorde, ainda é pífia não só na comparação com os Estados Unidos mas também com outros países.
No Japão, esse índice passa de 180%; na China, supera 115%; na Inglaterra, em Portugal e na Suíça, passa de 160%. Na Itália e na França, alcança 90%. Na América Latina, o Chile tem estoque de empréstimos equivalente a 80% do PIB.
Crédito é saudável, seja para o produtor ou para o consumidor, desde que concedido com critério e com responsabilidade, dentro de condições seguras para credor e tomador. Mesmo com os níveis absurdos dos juros ao consumidor no país, foi a expansão do crédito, aliada à desoneração tributária, que sustentou o consumo nos piores momentos da crise econômica. O próprio crescimento da economia norte-americana no terceiro trimestre (3,5%), depois de quatro trimestres de recessão, decorre do estímulo ao crédito e ao consumo.
É muito cedo, portanto, para fazer terrorismo com os riscos do aumento do crédito, que é certamente um dos mais importantes instrumentos de desenvolvimento. Deixem o brasileiro consumir em paz.


BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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